PROPOSTAS PARA O NOVO GOVERNO – ECONOMISTAS DO BRASIL

UM CONJUNTO DE

PROPOSTAS PARA O NOVO

GOVERNO

2019/2022

ELABORADAS PELOS INTEGRANTES DO GRUPO DE DISCUSSÃO

ECONOMISTAS DO BRASIL

SUMÁRIO

Apresentação ………………………………………………………………………………………………………………………………………..3

Introdução ………………………………………………………………………………………………………………………………………….. 5

1. POLÍTICAS MACROECONÔMICAS ………………………………………………………………………………………………………………10

1.1 POLÍTICAS MONETÁRIA E CAMBIAL …………………………………………………………………………………………………………..11

1.2 GESTÃO FISCAL E EFICIÊNCIA DO ESTADO ………………………………………………………………………………………………..13

1.3 TRIBUTAÇÃO E PACTO FEDERATIVO …………………………………………………………………………………………………………18

1.4 COMÉRCIO EXTERIOR ……………………………………………………………………………………………………………………………….27

2. POLÍTICAS MICROECONÔMICAS …………………………………………………………………………………………………………………33

2.1 REGULAÇÃO …………………………………………………………………………………………………………………………………………….. 37

2.2 POLÍTICAS PARA A DEFESA E ADVOCACIA DA CONCORRÊNCIA ……………………………………………………………………….. 41

2.3 INFRAESTRUTURA ……………………………………………………………………………………………………………………………………. 46

2.4 CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO ………………………………………………………………………………………………………… 49

3. POLÍTICAS SOCIAIS ……………………………………………………………………………………………………………………………………… 53

3.1 POLÍTICAS DE COMBATE À POBREZA E DESIGUALDADE …………………………………………………………………………… 53

3.2 A CRISE DA PREVIDÊNCIA BRASILEIRA …………………………………………………………………………………………………….. 58

3.3 EDUCAÇÃO ……………………………………………………………………………………………………………………………………….61

3.4 MERCADO DE TRABALHO ………………………………………………………………………………………………………………………….. 66

3.5 RESPOSTAS À CRISE NA SEGURANÇA PÚBLICA E NO SISTEMA PENITENCIÁRIO ……………………………………………… 71

4. POLÍTICAS DE SUSTENTABILIDADE …………………………………………………………………………………………………………………….80

4.1 COMBATE AO DESMATAMENTO …………………………………………………………………………………………………………….81

4.2 AGROPECUÁRIA ………………………………………………………………………………………………………………….. 82

4.3 ENERGIAS RENOVÁVEIS ………………………………………………………………………………………………………84

4.4 CIDADES SUSTENTÁVEIS, SANEAMENTO BÁSICO E GESTÃO DE RESÍDUOS ……………………………………………………84

4.5 LICENCIAMENTO AMBIENTAL …………………………………………………………………………………………………………..87

Bibliografia ………………………………………………………………………………………………………………………………………………..89 3

Apresentação

Flávio Ataliba Barreto

Imaginem mais de duzentos economistas a conversar e a debater em seus celulares todos os dias sobre os mais diversos problemas econômicos do país e do mundo. Isso só é possível graças à revolução digital e seus aplicativos que, nos últimos anos, vêm possibilitando a conexão, em tempo real, de um grande número de pessoas.Aproveitando o surgimento dessa nova tecnologia digital, em 13 de agosto de 2015 foi criado no Ceará, inspirado no dia do economista, um grupo de economistas usando a plataforma do whatsapp, que rapidamente teve várias adesões, até chegar ao formato atual, nomeado Economistas do Brasil.

O início dos debates do grupo coincide, entretanto, com o aprofundamento da crise econômica no Brasil, iniciada já em 2014 e que se agrava com o impeachment da Presidente Dilma em 2016, tendo consequência até os dias atuais. É nesse ambiente de incertezas econômicas e instabilidade política que os Economistas do Brasil intensificaram as discussões, procurando levantar e compartilhar diagnósticos dos problemas, assim como apontar possíveis soluções. Evidentemente, mesmo que o grupo seja formado majoritariamente por economistas com forte formação em teoria econômica e ótimo domínio das ferramentas de análises quantitativas, muitas vezes, durante os debates internos, observou-se entendimentos um pouco diferentes sobre certas questões, isso fruto da própria complexidade dos fenômenos econômicos e sociais envolvidos nas discussões.

Por outro lado, a riqueza dos debates realizados gerou também grandes convergências na compreensão das principais causas dos diversos problemas e possíveis soluções, como a necessidade de se dar sustentabilidade às contas públicas. Isso de alguma forma contagiou a todos no sentido que se mostrou viável redigir um documento condensando as ideias debatidas. O primeiro passo foi a realização de um seminário de dois dias que ocorreu no final de janeiro de 2018, no Rio de Janeiro, em que mais de 70 economistas reunidos, discutiram de forma mais detalhada vários temas como a questão tributária, mercado de 4

trabalho, previdência, comércio exterior, entre outros, que estão apresentados nessa carta, intitulada Carta Brasil.

A partir desse seminário, foi iniciada a elaboração desse documento em que se procurou condensar o pensamento médio do grupo nos diversos temas. Conscientes de que o debate sobre a sucessão presidencial nas eleições de 2018 iria colocar em discussão várias dessas questões o objetivo inicial foi ainda mais fortalecido no sentido de querer apresentar ao próximo Presidente eleito um conjunto de ideias concatenadas que possam ajudar o Brasil a superar os tempos difíceis presentes e futuros.

A Carta Brasil constitui-se assim do esforço de cada um, seja de forma direta escrevendo os textos, ou indiretamente através de opiniões e comentários durante os debates no grupo. Este documento não tem a pretensão de querer representar de forma fidedigna a opinião de cada um, o que é mesmo impossível, mas colocar em grande relevo as diretrizes gerais de um pensamento o mais próximo da ideia comum daqueles que o subscrevem. De fato, o mais importante de todo esse processo, materializado agora nessa Carta, é o desejo de colaborar e oferecer de forma honesta e desapaixonada ideias que possam efetivamente contribuir para o progresso do país e a melhoria de vida do povo brasileiro.

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Introdução

Os economistas do grupo de discussão Economistas do Brasil que redigiram e subscrevem esta Carta estão convictos que a retomada do crescimento econômico no país em bases sustentáveis, eficientes e que possa gerar resultados que elevam o nível de bem-estar da população, deve ser alicerçada em um conjunto de princípios, iniciativas e políticas públicas construídas em torno de 13 diretrizes gerais distribuídas em 4 grandes áreas a saber:

I. Políticas Macroeconômicas

1. Autonomia do Banco Central – para perseguir o objetivo de estabilidade de preços no Regime de Metas de Inflação com câmbio flutuante.

2. Responsabilidade Fiscal e Solvência das Contas Públicas – como valor absoluto, suportado por uma reforma da previdência consistente com os imperativos demográficos, de equidade e sustentabilidade fiscal; uma reforma administrativa para ajustar os gastos do Estado com pessoal e custeio; e uma reforma patrimonial, centrada na desestatização de empresas públicas e venda de ativos cujo ônus recai direta ou indiretamente sobre o Tesouro.

3. Uniformização e simplificação da tributação do consumo, da renda e da folha e revisão dos regimes simplificados de tributação – como forma de, simultaneamente, elevar a produtividade e melhorar a distribuição de renda no país. Por conta de sua fragmentação e do excesso de benefícios fiscais, o sistema tributário brasileiro é não apenas ineficiente como injusto. Através da substituição dos tributos sobre bens e serviços por um IVA, da uniformização das regras de tributação da renda e de mudanças na tributação da folha voltadas à formalização, seria possível eliminar as principais distorções do sistema tributário brasileiro

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e, ao mesmo tempo, revisar os regimes simplificados de tributação de modo a torná-los mais eficientes e justos.

4. Integração do País nas Correntes de Comércio, Investimento e Inovação – no intuito de aumentar a participação no comércio exterior, por meio de uma abertura soberana que facilite a mobilidade de bens, serviços e fatores.

II. Políticas Microeconômicas

5. Fortalecimento da Segurança Jurídica, Previsibilidade Regulatória e um Ambiente de Negócios mais Favorável – construídos a partir do uso de princípios econômicos nas decisões judiciais, inclusive com a introdução de varas especializadas e da análise sistemática do impacto regulatório, garantindo a integridade técnica das decisões das agências, pela aprovação de legislação que confere a estas, autonomia decisória e financeira. Adicionalmente, reforço na atuação do CADE, pela maior disciplina na interação entre esferas de atuação (civil, administrativa e criminal) e com as demais instituições de Estado, e melhorando a governança, incluindo o CADE na Lei das Agências.

6. Implantação de uma Política de Estado para os Investimentos em Infraestrutura – diretrizes que reconheçam as obrigações do Estado no âmbito do planejamento e regulação, e suas limitações no plano do financiamento e execução. E inversamente, uma política voltada a mobilizar o potencial de contribuição do setor privado – sem subsídios ou artificialismos.

7. Fortalecimento das políticas em C&T – reconhecendo que houve um esforço considerável em décadas recentes, com efeitos palpáveis na produção científica e limitados no âmbito da inovação, deve-se, entretanto manter o nível de orçamento governamental de P&D em relação ao PIB, sujeito, porém à avaliação de impacto dos gastos governamentais, do

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financiamento à inovação, e dos incentivos fiscais. Ao mesmo tempo, é essencial estimular a meritocracia nas universidades e instituições de pesquisa públicas, e avançar numa agenda de “Inovação sem Fronteiras”, propiciando a mobilidade de bens, serviços e fatores com países e instituições, inclusive por meio de uma reforma imigratória e de comércio exterior.

III. Políticas Sociais

8. Redução dos Níveis de Pobreza Existentes – é importante definir melhor a linha de pobreza, escolhendo prioridades, especialmente levando-se em conta o foco nas políticas de maior prioridade para as crianças e jovens que são particularmente mais vulneráveis.

9. Reestruturação do Atual Sistema Previdenciário Brasileiro – no sentido de corrigir o desequilíbrio fiscal apresentado no atual sistema de repartição, a partir de eliminação de privilégios, adequando-se também a dinâmica populacional do país fruto do rápido processo de envelhecimento da população, ao mesmo tempo em que se possa estudar a migração para sistemas híbridos capitalizados.

10. Reformulação na Gestão de Recursos na Educação – os gastos com educação aumentaram em média 5,3% a.a. em termos reais no período 2000-2014, chegando a 6% do PIB. A prioridade deve ser melhorar a gestão desses recursos, com o governo federal liderando uma reforma na gestão educacional no país, usando 10% da sua complementação ao Fundeb para incentivar Estados e Municípios a emularem as melhores práticas. Ademais é preciso estabelecer o conjunto de competências para a formação de professores, continuar com as cotas para ingresso na universidade pública e avaliar de forma simples todos os cursos de ensino superior no país, divulgando amplamente o resultado final.

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11. Reformulação da Rede de Proteção Social – composta de dois pilares, deve-se primeiro rearranjar o programa Bolsa Família de modo que continue como uma garantia de renda aos mais pobres, mas ao mesmo tempo estimular a transição para o mercado de trabalho e sua formalização. E, consistente com uma política fiscal equilibrada, reestruturar os programas de abono salarial, salário família, seguro desemprego e FGTS de modo a alinhar o sistema de proteção aos objetivos de garantir renda monetária mínima a todas as famílias com baixa renda, incentivando o engajamento em atividades econômicas formais daqueles em idade ativa, e eliminando incentivos à rotatividade.

12. Intervenção de Forma Organizada e Articulada da Polícia, da Justiça Criminal, do Sistema Prisional e da Política Econômica de Modo a Melhorar a Gestão na Área de Segurança Pública – esses vetores têm impacto direto no nível de equilíbrio do mercado de atividades ilícitas, e determinam o nível geral da demanda e oferta por crimes na sociedade, que vem aumentando fortemente nos últimos anos no Brasil. As condições sociais também afetam o comportamento delitivo e o volume geral de crimes na sociedade e podem ser alvos de políticas públicas específicas.

IV. Políticas Transversais de Sustentabilidade

13. Promoção do Desenvolvimento Sustentável – estabelecer esforços para convergir a uma meta de desmatamento zero no mais curto prazo possível e uma economia com baixa emissão de carbono, e construir medidas urgentes para superar o atraso em relação ao baixo acesso da população ao saneamento básico e caminharmos para aglomerados urbanos sustentáveis, do ponto de vista dentre outros da mobilidade urbana, gestão de resíduos sólidos, qualidade do ar, eficiência energética. Ademais, é importante o comprometimento com a retomada dos processos de reconhecimento de territórios quilombolas, além da preservação das terras indígenas.

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Considerações Finais

O texto que segue esta Introdução tem por objetivo contribuir para a formulação de políticas públicas do governo que assume em Janeiro de 2019. Ninguém ignora a magnitude dos desafios que irá enfrentar, inclusive pela divisão na sociedade e visões contrastantes quanto ao entendimento da natureza desses desafios, e às prioridades no uso dos recursos públicos. Sem adesão a cores partidárias ou ideologias, a análise aqui efetuada e as propostas apresentadas são uma tentativa de introjetar racionalidade e sobriedade no debate público, reconhecendo tanto os desafios quanto as limitações à ação do novo governo.

O grupo de economistas e cientistas sociais que debateram e redigiram essas propostas acredita que há determinados imperativos aos quais não pode fugir: por um lado a escassez de recursos e logo a necessidade de usá-los de forma judiciosa; por outro, a necessidade do Estado responder aos anseios de educação, saúde e segurança pública com políticas eficazes. Ao mesmo tempo, sem estabilidade macroeconômica e reformas microeconômicas não se logrará impulsionar a produtividade e o crescimento em bases sustentáveis. Daí que a reforma do Estado está na base de um novo período de crescimento. Um Estado capturado ou que se serve da sociedade é um Estado disfuncional; um Estado que serve à sociedade é o leitmotiv deste texto.

1. POLÍTICAS MACROECONÔMICAS

A economia brasileira possui, pelo menos, dois grandes desafios para os próximos anos: deverá passar por um processo de forte ajuste fiscal de 5% do PIB e, ao mesmo tempo, enfrentar uma agenda da produtividade. Isso porque a renda per capita doméstica somente crescerá de forma sistemática nos próximos anos caso o país seja capaz de levar adiante uma desafiadora agenda de crescimento da produtividade.

O primeiro desafio será a realização de uma forte consolidação fiscal. O déficit primário estrutural está em torno de 2% do PIB. Para estabilizar a relação dívida/PIB será necessário fazer ao longo dos próximos anos um superávit primário sustentável próximo a 3% do PIB. Ou seja, o país terá que realizar uma consolidação fiscal de cerca de 5% do PIB. Vale sublinhar que para o novo regime fiscal possa ser efetivo é necessário que sejam feitas reformas para reduzir o crescimento vegetativo do gasto público. Neste sentido, a reforma mais importante é a reforma da previdência, além de outras reformas que permitam racionalizar os gastos públicos.

O segundo desafio parte da análise do crescimento da produtividade do país ao longo das últimas décadas. Os dados mostram que a produtividade total dos fatores está crescendo a taxas próximas a 0,4% ao ano, em média, entre 1982 e 2016. Um crescimento medíocre. Neste período, o crescimento do PIB somente foi possível devido à expansão dos fatores de produção. A mudança demográfica restringirá o crescimento por meio da expansão do fator trabalho, enquanto a baixa poupança doméstica limita a capacidade de investimento do país, de modo que a única forma de apresentar um crescimento mais acelerado seria via crescimento da produtividade. .As reformas preconizadas nesse trabalho – tanto no âmbito macro como microeconômico e social – serão essenciais nos próximos anos para sustentar o crescimento com base na inovação, e na melhoria da alocação e uso dos recursos. 11

1.1 POLÍTICAS MONETÁRIA E CAMBIAL

Desde 1999 o Brasil adotou o regime de metas de inflação com câmbio flutuante. Nos 19 anos desse regime, enfrentamos desafios como crises externas e internas, mas o regime tem sido aperfeiçoado e gerado bons resultados, com destaque especial para a gestão da atual diretoria do Banco Central (BC). A histórica instabilidade gerada por crises recorrentes de balanço de pagamentos deixou de ser um problema de primeira ordem no país. A conquista de uma inflação baixa e estável, nos níveis das inflações de países emergentes de renda média parece finalmente alcançável. Os holofotes agora estão nos problemas fiscais.

O caminho percorrido não foi sem percalços. Pouco tempo depois de estabelecido, o regime de metas foi posto à prova pelas crises da Argentina em 2001 e pela eleição de Lula em 2002. O novo governo eleito, contrariando as expectativas, ajudou na consolidação do novo regime com inflação nos primeiros anos flutuando em torno da meta de 4,5%, apesar de algum intervencionismo no câmbio. O governo Dilma contribuiu para a perda de credibilidade do sistema ao intervir rotineiramente no câmbio e permitir inflação sistematicamente acima do centro da meta (e acima desta em 2015), além de usar instrumentos não convencionais de combate à inflação, como o represamento de tarifas e preços públicos. O Brasil passou a ter o dobro de inflação dos países de renda média.

A credibilidade foi resgatada com a gestão firme e comprometida de Ilan Goldfajn no Banco Central nos últimos dois anos. A credibilidade restabelecida foi importante na redução da inflação para valores semelhantes aos dos outros países, em torno de 3,5% ao ano. A redução gradual da meta do patamar de 4,5% para níveis semelhantes aos dos outros países emergentes complementa e solidifica essa redução de mais longo prazo do nível médio de inflação. Do lado da política cambial, a redução das intervenções no mercado de câmbio, que passaram a ser apenas pontuais, conjugada a um nível confortável de reservas, se mostrou compatível com a redução da volatilidade cambial. Essa maior estabilidade se beneficia de um regime de gestão das reservas em que 12

seu único uso permitido é para intervenções excepcionais no mercado de câmbio.

Uma série de medidas, algumas já em tramitação no Congresso, contribuiriam para a melhoria do arcabouço para gestão de política monetária e cambial. Uma das mais importantes é a que propõe autonomia do Banco Central. Essa deve ter dois objetivos: blindar os diretores do BC de pressões políticas e ao mesmo tempo responsabilizá-los pela boa gestão das metas de inflação estabelecidas pela sociedade (atualmente pelo Conselho Monetário Nacional). As pressões políticas sobre o Banco Central que costumam ocorrer são pelo afrouxamento da política monetária. Daí a importância de menção explícita do objetivo de controlar a inflação. Uma mudança de objetivos no sentido de incluir também meta de desemprego poderia sinalizar um afrouxamento do compromisso com a meta de inflação, com graves prejuízos para a credibilidade da política monetária. A lei de autonomia deve contemplar mandatos fixos intercalados para presidente e diretores para reduzir a influência de algum governo específico na composição da diretoria. Adicionalmente, a autonomia administrativa e financeira se faz necessária para garantir a independência de funcionários e diretores.

Outra medida em tramitação no Congresso (PL 9.248/2017) que visa a aperfeiçoar o arcabouço para gestão da política monetária é a que cria depósitos voluntários remunerados dos bancos no Banco Central. Atualmente a política monetária é executada através de operações compromissadas com lastro em títulos públicos. A necessidade de títulos do Tesouro na carteira do Banco Central para a execução de política monetária impacta a dívida bruta e gera um fluxo de pagamentos do Tesouro para o Banco Central. A criação dos depósitos voluntários como instrumento adicional de política monetária contribuirá para maior autonomia do Banco Central em relação ao Tesouro, alinhando o BACEN às melhores práticas internacionais.

O Brasil tem uma das mais altas taxas de depósitos compulsórios do mundo, com vários reflexos negativos sobre a estrutura financeira do país, em particular 13

contribuindo para o alto nível de spread bancário. A criação dos depósitos voluntários remunerados facilitará a desejável transição para uma taxa de depósitos compulsórios compatível com padrões internacionais.

O câmbio flutuante e o grande montante de reservas no balanço do Banco Central têm gerado um enorme fluxo de pagamentos entre Tesouro e Banco Central. Esses fluxos podem ser reduzidos e racionalizados. Isso requer a criação de uma conta única entre Tesouro e Banco Central que abranja tanto o resultado da conta das operações cambiais quanto os das outras contas. Para minimizar variações nessa conta única é necessária a criação de uma conta de reserva de resultado no BC, que acumule resultados, em especial gerados variações cambiais temporárias. Essas medidas são objeto de um outro projeto de lei (9.283/2017) que tramita no congresso e já foi aprovado pelo Senado.

Concluímos por apontar que, após um período de estagnação, o arcabouço de gestão de política monetária e cambial vem sendo substancialmente aperfeiçoado nos últimos dois anos. Apoiamos as mudanças importantes que vêm sendo implementadas pelo Banco Central e propostas em legislação no congresso. Existe uma oportunidade única de consolidar o aprimoramento da gestão da política monetária num contexto de inflação historicamente baixa para os nossos padrões e que não deve ser desperdiçada.

1.2 GESTÃO FISCAL E EFICIÊNCIA DO ESTADO

A questão fiscal vem ganhando destaque nas discussões públicas tendo em vista o aumento na percepção de que o descontrole das contas do Governo voltou a ser um dos principais motivos para a grave recessão que assolou o Brasil a partir do segundo mandato da Presidente Dilma. Contudo, a crise iniciada em meados de 20141 expôs a deterioração das contas públicas e as dificuldades de se manter um equilíbrio fiscal sustentado de longo prazo,

1 Segundo classificação do Comitê de datação de ciclos econômicos (CODACE) FGV. 14

aumentando muito o risco de uma ruptura na capacidade de pagamento do setor público já para os próximos anos.

Diante deste cenário buscaram-se dois objetivos: Primeiro, identificar as barreiras para uma gestão fiscal eficiente no Brasil, e segundo, as políticas públicas e mudanças institucionais necessárias para superá-las.

Importante salientar as consequências de uma gestão fiscal que leva a uma má utilização dos recursos públicos disponíveis. Além do freio ao crescimento econômico, a gestão fiscal no Brasil levará a uma situação de insustentabilidade no médio e longo prazo da dívida pública, principalmente por força das dificuldades do financiamento previdenciário nos dois regimes – do setor público e privado; dos privilégios outorgados às corporações; as dificuldades de reformular políticas e programas que absorvem recursos consideráveis e sem avaliação de impacto; a má gestão dos recursos humanos, físicos e financeiros a disposição do Estado; além da preservação de ganhos tributários (sob a forma de isenções) por agentes econômicos

A gestão fiscal eficiente visa alocar os recursos fiscais (receitas tributárias e não tributárias) na implementação de políticas públicas, no atendimento ao custeio e na realização de investimentos visando maximizar o bem-estar social, sem comprometer o atendimento das necessidades das gerações futuras.

Observa-se no país uma tendência inexorável do aumento da despesa corrente em detrimento a despesas de investimento \. Dentre os principais motivos a existência de despesas de pessoal e benefícios indexados ao salário mínimo, levando a ganhos reais independente dos ganhos de produtividade do trabalho; gastos obrigatórios que impedem um ajuste em períodos recessivos; e o déficit crescente da previdência social em decorrência das tendências demográficas com o rápido envelhecimento da população e o modelo de financiamento adotado. 15

No Brasil, o gasto público não se se ajusta ao ciclo econômico, e a política fiscal é conduzida sem os instrumentos capazes de garantir uma alocação eficiente dos recursos. Vale sublinhar que diversos trabalhos científicos apontam para a relevância do ciclo econômico para o impacto do gasto público na economia (Alloza (2017), Ramsey e Zuraik (2017), Auerbach e Gorodichenko (2012)) e para própria sustentabilidade fiscal (Auerbach e Gorodichenko (2013)).

A gestão de pessoal no governo federal e nos entes subnacionais é bastante falha, principalmente por conta de:

1. Estabilidade dos servidores públicos, garantida de forma independente da função que o servidor executa, da sua produtividade e da importância do serviço público prestado.

2. Existência de privilégios para certas categorias de servidores públicos, que se revestem muitas vezes de salários indiretos contabilizados como custeio e não como salário. Além de criar ganhos financeiros adicionais para os servidores públicos, estes privilégios ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) de estados e municípios.

3. Desconsideração de padrões mínimos de produtividade do serviço público, na medida em que a produtividade não é mensurada na maioria das funções públicas, e mesmo quando efetivamente mensurada, não é considerada para tomada de decisão de exonerar ou não funcionários públicos.

Com relação aos entes subnacionais, o custo da má gestão fiscal geralmente é absorvido pelo governo federal, uma vez que tais entes não podem se financiar por meio de endividamento, acentuando o risco moral do seu comportamento. Consequentemente, entes subnacionais mais bem geridos tem uma tendência de receber menos recursos do governo federal que aqueles com gestão fiscal menos responsável, uma clara distorção de incentivos.

Por fim, dois outros graves problemas são identificados: primeiro, a implementação de políticas públicas sem avaliação de resultado, não sendo portanto possível estabelecer seus custos e benefícios. Segundo, empresas 16

públicas que geram resultados negativos tanto para o Tesouro quanto para a sociedade. Embora algumas dessas empresas possam desempenhar um papel relevante na economia, a falta de critério e avaliações permanentes vem possibilitando sua captura e utilização para fins não legítimos.

Aqui se propõe:

1. Flexibilização do orçamento público com a desvinculação da qualquer despesa ao salário mínimo, ao PIB, ou qualquer outro indexador, e eliminação dos níveis mínimos obrigatórios de gasto em todos os níveis de governo. O objetivo é tornar as despesas mais sensíveis às condições da economia, ajustando-se aos ciclos econômicos assim como a receita fiscal.

2. Criação de mecanismos de exoneração de servidores públicos devido a mudanças no ciclo econômico. Obviamente, tal medida não seria estendida a todos do funcionalismo público.

3. Eliminação parcial da estabilidade do serviço público, seja por conta de desempenho medido objetivamente, ou ainda por força de mudanças no ciclo econômico. Uma vez que nem todo cargo público tem as mesmas atribuições, nem todos os cargos públicos deveriam ser estáveis em mesmo grau. Dessa forma, propõe-se introduzir mecanismos que eliminem parcialmente a estabilidade de certos cargos públicos, podendo inclusive estipular a rotatividade de servidores a cada ciclo de avaliação. Vale ressaltar que todo e qualquer servidor público deverá ser exonerado do cargo se não cumprir padrões mínimos de responsabilidade e produtividade.

4. Privatização, concessão ou abertura de capital de empresas públicas com retorno negativo ou que não atuem em alguma falha muito significativa de mercado, levando em consideração que falhas de Estado no Brasil tendem a dominar as falhas de mercado. No caso de empresas com baixo retorno financeiro, se utilizará como parâmetro o custo de oportunidade do Tesouro Nacional.

5. Aprovação da reforma da previdência acompanhada de plano de migração gradual para regime de capitalização. O regime de capitalização é o modelo que apresenta maiores vantagens do ponto de vista do contribuinte e do governo. Porém, exige uma compatibilização dos fluxos de caixa, que pode ser um custo 17

não desprezível de ajustamento do regime de repartição para o regime de capitalização. Assim, sugere-se que seja realizada a reforma da previdência, porém com um plano de transição para o regime de capitalização.

6. Introdução do Governo Digital para melhor servir a sociedade, desburocratizar radicalmente os processos de governo, aumentar a produtividade dos servidores públicos, possibilitando a entrega de melhores serviços a um custo menor. Exemplos como da Índia, dentre outros, devem prover um “blueprint” para o país.

7. Reforma nas Leis de Responsabilidade Fiscal (LRF) e das finanças públicas, com especial atenção ao controle de despesas de pessoal dos entes subnacionais e controle das despesas dos demais poderes (Legislativo, Judiciário, Ministério Público).

8. Unificação da gestão econômica no Ministério da Fazenda de forma a obter uma ação de política econômica mais coordenada e eficaz.

9. Criação de uma guide line para a implementação de políticas públicas que deve ser seguido por todos os órgãos governamentais de forma que o impacto das políticas sejam testáveis e venham a ser implementadas de forma eficiente.

10. Intervenção fiscal nos entes subnacionais que comprovadamente não podem manter sustentabilidade fiscal com base no RRF, assegurando que o não cumprimento dos compromissos e metas leve de imediato à suspensão do RRF e à penalização do ente subnacional. A alternativa é a explosão do risco moral e a destruição da credibilidade da autoridade fazendária. 18

1.3 TRIBUTAÇÃO E PACTO FEDERATIVO

A necessidade de uma ampla reforma do sistema tributário brasileiro se justifica pelos múltiplos problemas do atual modelo:

a) Distorções alocativas, que resultam do fato de que a carga tributária pode variar muito dependendo de como a produção está organizada;

b) Regressividade e falta de equidade, consequência de um modelo que abre espaços para que parte relevante da renda da parcela mais rica da população seja pouco tributada;

c) Desincentivo ao trabalho formal;

d) Baixa atratividade do Brasil como polo de investimento;

e) Cumulatividade dos tributos indiretos, resultando na oneração dos investimentos e das exportações;

f) Elevado custo de conformidade;

g) Alto grau de litígio, gerando insegurança jurídica;

h) Estímulo a um modelo federativo fratricida, caracterizado por um elevado nível de tensão entre os entes federados.

A superação destas distorções exige uma ampla reformulação do sistema tributário brasileiro. Uma descrição absolutamente sumária de uma possível agenda de mudanças das principais categorias de tributos é apresentada a seguir.

Tributação do Consumo de Bens e Serviços

Há um consenso na literatura de que o modelo mais eficaz de tributação do consumo é o imposto sobre o valor adicionado (IVA), cujas características estão bem estabelecidas:

a) Incidência sobre uma base ampla de bens e serviços;

b) Não-cumulatividade plena, garantindo-se o direito ao crédito sobre todos os bens e serviços utilizados na atividade produtiva;

c) Desoneração completa de exportações e investimentos;

d) O mínimo de alíquotas (se possível, apenas uma) e regimes especiais;

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e) Tributação no destino;

f) Ressarcimento tempestivo de créditos acumulados.

Um imposto com estas características é um imposto sobre o consumo, ainda que cobrado ao longo da cadeia de produção e comercialização.

O grande problema é como migrar do modelo atual – caracterizado por cinco tributos gerais sobre bens e serviços, de competência de três esferas de governo, base fragmentada e com uma enorme quantidade de alíquotas, benefícios fiscais e regimes especiais – para um modelo do tipo IVA, respeitando a autonomia federativa. Uma alternativa é a proposta desenvolvida pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), na qual se propõe a progressiva substituição dos cinco tributos atuais sobre bens e serviços (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por um único imposto do tipo IVA, com legislação única, arrecadação centralizada e receita partilhada entre a União, os estados e os municípios.

Pela proposta, a transição dos tributos atuais para o IVA seria feita ao longo de dez anos, sendo os dois primeiros um período de teste, no qual o novo imposto seria cobrado com alíquota de 1% (reduzindo-se compensatoriamente a alíquota da Cofins). Nos oito anos seguintes seria feita a transição para o novo sistema, através da redução linear das alíquotas dos cinco tributos atuais e da elevação da alíquota do novo IVA. Como o potencial de arrecadação do novo imposto já seria conhecido após o período de teste, é possível realizar a transição mantendo-se a carga tributária constante.

A proposta garante a manutenção da autonomia federativa, ao prever a gestão coordenada do novo imposto pelas três esferas de governo e, principalmente, por permitir que os estados e os municípios possam gerir sua parcela da alíquota do imposto. A distribuição da receita seria feita pelo princípio do destino (ou seja, proporcionalmente ao consumo), mas, para garantir um ajuste suave das finanças subnacionais, a migração da distribuição da receita para o destino seria feita ao longo de 50 anos. 20

Com a substituição dos atuais tributos sobre bens e serviços por um imposto do tipo IVA seriam corrigidas as principais distorções alocativas do atual sistema tributário brasileiro, bem como seriam eliminados os principais problemas que causam o contencioso, o elevado custo de conformidade e a oneração dos investimentos e das exportações. Adicionalmente seria suprimido o principal foco de tensões federativas, que é a guerra fiscal estadual e municipal.

Tributação da Renda

Os principais problemas do modelo brasileiro de tributação da renda são: a) um modelo que abre muitas possibilidades de baixa tributação na empresa – via benefícios que reduzem a tributação do lucro nas grandes empresas e regimes simplificados mal desenhados de tributação de pequenos negócios – e ao mesmo tempo isenta a distribuição de lucros e dividendos; b) um modelo de tributação da renda auferida no exterior por controladas e coligadas de empresas brasileiras que as torna pouco competitivas; e c) um modelo complexo de tributação dos instrumentos de poupança e investimento financeiros que gera muitas distorções. Adicionalmente, em um contexto de guerra fiscal internacional, a alíquota brasileira de tributação dos lucros tornou-se uma das mais elevadas do mundo, reduzindo a atratividade do país como polo de investimentos.

As falhas na tributação da renda, além de gerar distorções alocativas e prejudicar a competitividade das empresas brasileiras, são responsáveis pelas principais distorções distributivas do nosso sistema tributário, na medida em que parte importante da renda das pessoas mais ricas do país é pouco tributada.

As soluções para os problemas da tributação da renda são de diversas ordens. Por um lado, para se manter competitivo na atração de investimentos, o Brasil deveria reduzir a alíquota na tributação da renda corporativa e adaptar seu modelo de tributação de controladas e coligadas às práticas internacionais. Em contrapartida, é preciso ampliar a base do imposto de renda empresarial reduzindo significativamente os benefícios fiscais atuais. 21

Por outro lado, é preciso rever o modelo de tributação dos mercados financeiro e de capitais, adotando um modelo homogêneo de tributação para todos os instrumentos, o que eliminaria distorções alocativas e distributivas.

Por fim, e principalmente, é preciso integrar a tributação da renda das pessoas jurídicas e das pessoas físicas, de modo a que a renda do trabalho ou do capital que tenha sido pouco tributada na pessoa jurídica seja tributada quando de sua distribuição para as pessoas físicas.

Tributação da Propriedade

O Brasil possui três tributos sobre o estoque de propriedade – IPTU (imóveis urbanos), ITR (imóveis rurais) e IPVA (veículos automotores terrestres) – e dois tributos sobre a transferência de patrimônio – ITBI (venda de imóveis) e ITCMD (heranças e doações).

Do ponto de vista estrutural, as principais deficiências do modelo brasileiro são a não incidência de IPVA sobre veículos aquáticos e aéreos, e o excesso de objetivos extrafiscais na legislação do ITR, o que facilita muito o planejamento tributário e resulta em uma arrecadação irrisória do imposto.

Uma questão importante diz respeito à baixa alíquota do ITCMD (limitada a 8%, sendo de 4% na maioria dos estados). Embora a literatura não seja conclusiva sobre os efeitos econômicos dos impostos sobre heranças, a péssima distribuição de renda no Brasil justificaria alíquotas mais elevadas, ainda que haja limites colocados pela facilidade de planejamento tributário internacional por parte das pessoas mais ricas para escapar ao imposto. Adicionalmente, caberia considerar a federalização do ITCMD, pois a gestão estadual dificulta a cobrança nos casos de ativos no Brasil de propriedade de residentes no exterior, e ativos no exterior de brasileiros.

No caso do IPTU, os principais problemas são de natureza operacional e política, merecendo destaque a dificuldade que os municípios têm na correção 22

da planta de valores e a não cobrança do imposto por muitos municípios de menor porte.

Por fim, cabe um rápido comentário sobre o imposto sobre grandes fortunas (IGF – previsto na Constituição, mas nunca regulamentado). A prática internacional mostra que o potencial de arrecadação do IGF é baixo, e sua eficácia limitada pelo planejamento tributário internacional. Um modelo eficiente de tributação da renda é muito melhor que o IGF como instrumento distributivo e de arrecadação.

Tributação da folha de salários

As alíquotas das contribuições sobre folha de salários no Brasil são bastante elevadas para padrões internacionais. A alta tributação da folha – paralelamente a outras características dos sistemas previdenciário e tributário do país – gera um forte desincentivo ao emprego formal de trabalhadores, tanto de baixa renda quanto de alta renda.

No caso dos trabalhadores de baixa renda, o desincentivo à formalização é potencializado pelo fato de que o valor dos benefícios assistenciais (não-contributivos) para idosos e deficientes é o mesmo do piso dos benefícios previdenciários (um salário mínimo).

Já para os trabalhadores de alta renda, o problema decorre do fato de que a contribuição dos empregadores incide sobre a totalidade da folha, inclusive sobre a parcela dos salários que excede o teto do salário de contribuição (que é o limite para o valor dos benefícios). Este modelo gera um forte incentivo a que profissionais de alta renda se constituam como sócios de empresas, uma vez que a maior parte da renda dos proprietários de empresas é percebida na forma de lucros distribuídos, sobre os quais não incide contribuição previdenciária (nem imposto de renda). 23

Todos esses problemas são potencializados pela incidência sobre a folha de salários de contribuições não previdenciárias, como as destinadas ao Sistema S e ao Salário-Educação.

Para resolver essas distorções são necessárias várias mudanças. Por um lado, propõe-se eliminar a incidência de contribuições não-previdenciárias sobre a folha, cujas atividades seriam financiadas por outros tributos.

Por outro lado, para os trabalhadores de alta renda, é preciso equalizar a tributação da renda do trabalho percebida como salário e como lucro distribuído. Isso pode ser feito de três formas: pela eliminação da contribuição patronal sobre a parcela dos salários que excede o teto do salário de contribuição; pela tributação da renda do trabalho distribuída na forma de lucro; ou por um modelo intermediário entre os dois anteriores.

Por fim a mudança mais complexa diz respeito aos trabalhadores de baixa renda, pois uma solução racional necessariamente passa por uma revisão dos benefícios. Como politicamente é muito difícil mudar os benefícios assistenciais havendo uma percepção de retirada de direitos, uma alternativa seria criar um benefício não contributivo universal para todos os idosos que alcançarem determinada idade (denominado Renda Básica do Idoso – RBI). O valor inicial da RBI seria de um salário mínimo, mas seria desvinculado do SM, sendo corrigido pela inflação.

Por esta proposta, as contribuições sobre folha de todos os trabalhadores seriam parcialmente desoneradas até o valor da RBI, eliminando-se a contribuição para o financiamento da aposentadoria, mas mantendo-se a parcela da contribuição destinada ao financiamento de benefícios de risco que não são percebidos pelos trabalhadores informais (como o auxílio-doença). Sobre a parcela dos salários superior à RBI haveria a incidência de contribuição integral. 24

Este modelo geraria forte incentivo à formalização, não apenas pela redução do custo, mas porque qualquer contribuição estaria vinculada à percepção de um benefício. Adicionalmente, permitiria adotar um único modelo de contribuição para a previdência para todas as empresas (inclusive do SIMPLES e MEI) e todos trabalhadores (urbanos e rurais).

Regimes simplificados de tributação

A principal característica dos regimes simplificados de tributação no Brasil é a substituição das bases de incidência normais de uma empresa (valor adicionado, lucro e folha de salários) pelo faturamento, de forma parcial (no caso do regime de Lucro Presumido) ou integral (no caso do SIMPLES). Para os empreendimentos muito pequenos, o regime dos Microempreendedores Individuais (MEI) permite a substituição de todos os tributos por uma contribuição mensal de valor fixo, de cerca de R$ 50,00.

Este modelo gera uma série de distorções. A primeira distorção é o favorecimento de empresas que operam com altas margens em detrimento de empresas que operam com baixas margens, que é o resultado imediato de um modelo baseado na tributação do faturamento.

O segundo problema resulta da combinação do favorecimento a negócios com altas margens com a isenção do lucro distribuído a seus sócios. Tal combinação, em conjunto com o modelo de tributação da folha de salários dos trabalhadores de alta renda, é um dos principais motivos para a “pejotização”, ou seja, para que profissionais de alta renda se constituam como sócios de empresas pagando muito menos tributos que empregados formais ou autônomos.

A terceira consequência é o impacto negativo sobre a produtividade, pois o modelo brasileiro de tributação de pequenos negócios favorece a manutenção de pequenos negócios improdutivos, ao mesmo tempo em que dificulta o crescimento dos produtivos. 25

Todos esses problemas são agravados por limites extremamente elevados de enquadramento nos regimes simplificados: R$ 78 milhões/ano para o Lucro Presumido e R$ 4,8 milhões/ano para o SIMPLES.2 Mesmo no caso do MEI, embora o limite de R$ 81 mil/ano não seja elevado, o valor cobrado (da ordem de R$ 50/mês) é excessivamente baixo.

2 A título de comparação, nos países da OCDE o principal benefício concedido aos pequenos negócios é a dispensa de registro ou isenção de IVA. A mediana do limite de enquadramento para este benefício é de US$ 27,5 mil/ano.

A medida mais importante para a racionalização dos regimes simplificados de tributação no Brasil provavelmente é a simplificação do modelo geral de tributação do consumo, da renda e da folha de salários, viabilizando sua adoção pelos pequenos negócios.

Ainda assim, provavelmente ainda seria necessário um regime especial para os negócios muito pequenos. Partindo das sugestões de mudança apresentadas nos itens anteriores, e tendo por referência as práticas internacionais, um modelo possível seria a isenção de IVA para os negócios muito pequenos (com limite de receita próximo à mediana da OCDE) e um regime simplificado de apuração do lucro (por fluxo de caixa) para negócios com faturamento de alguns milhões de reais. A tributação da folha seria a mesma para todas as empresas.

Comentários finais

Os problemas do sistema tributário brasileiro são de tal ordem, que é possível fazer reformas que simultaneamente aumentem a eficiência econômica, melhorem a distribuição de renda e estimulem a formalização dos trabalhadores. 26

A diretriz básica dessas reformas deve ser a de eliminar a multiplicidade de regimes tributários existentes no país, resultado não apenas da multiplicidade de tributos e regimes simplificados, mas também do excesso de benefícios fiscais e regimes especiais. A uniformização e simplificação da tributação do consumo, da renda e da folha, paralelamente a uma racionalização dos tributos sobre a propriedade, resultariam em um aumento relevante da produtividade e em uma redução da desigualdade no país. A maior transparência contribuiria para uma melhora da responsabilidade política, uma vez que os eleitores teriam mais clareza sobre o custo do financiamento das ações do governo. 27

1.4 COMÉRCIO EXTERIOR

A economia brasileira é a oitava economia mais fechada do mundo. O grau de abertura médio do país entre 2013 e 2016 – medido pela soma das exportações e importações de bens e serviços como proporção do PIB – representou 12% do PIB, enquanto para os países da América Latina e países de renda baixa tal indicador foi de 20% e para países mais ricos, em média mais do que 30%. O baixo nível de comércio externo brasileiro é decorrente de políticas protecionistas, que tomaram formas diversas ao longo do tempo.

O Brasil tem uma longa tradição de políticas comerciais restritivas. Entre as décadas de 1950 e 1970, o protecionismo fazia parte da política de industrialização e várias empresas continuaram sobrevivendo graças à proteção continuada. No início dos anos 1990 houve um esforço de abertura comercial, com uma forte diminuição de tarifas e de barreiras não-tarifárias, o que contribuiu para significativos ganhos de produtividade na segunda metade daquela década.

Desde então, nenhum esforço adicional de liberalização de importações ocorreu. Pelo contrário, após a crise financeira de 2008 e em 2011, com o Plano Brasil Maior, um vasto conjunto de medidas de proteção e estímulos à produção industrial doméstica foi instituído. Essas políticas foram contraproducentes, pois não apenas a participação da indústria na produção continuou caindo, como houve uma diminuição da eficiência produtiva no Brasil no período em que tais políticas foram implementadas.

O avanço tecnológico, a diminuição dos custos de transporte e comunicação, e as menores barreiras comerciais adotadas por outros países facilitaram a fragmentação internacional da produção, levando a um substancial aumento do comércio internacional nas últimas duas décadas. Essa evolução, que ganhou escala nos anos 1990 e 2000, levou à formação de cadeias produtivas internacionais, as cadeias globais de valor. 28

A nova revolução tecnológica terá impactos ainda mais profundos sobre a organização da produção em escala global. Para aproveitar as oportunidades – e enfrentar os desafios – que vêm com a inovação e o progresso tecnológico é importante abrir a economia ao comércio internacional e facilitar a mobilidade de fatores de produção – não apenas de capital, mas principalmente, de recursos humanos.

Nesse novo cenário, o argumento de proteção à indústria nacional se torna obsoleto: a busca pela autossuficiência na produção doméstica em todos os segmentos e setores produtivos da economia prejudica a produção das firmas mais competitiva e mais grave, obriga a sociedade a consumir bens de pior qualidade com custos mais elevados do que os que estão disponíveis no mercado internacional, prejudicando assim, em especial, os segmentos mais pobres da população.

Há uma vasta literatura que mostra, através da análise minuciosa dos dados, os benefícios do comércio internacional. A abertura comercial tem um impacto positivo e significativo sobre o crescimento econômico3 e sobre a renda dos mais pobres;4 e leva a um aumento das taxas de investimento,5 provocando um aumento da produtividade total da economia, com as firmas mais produtivas ganhando parcela de mercado.6

3 Frankel e Romer (1999).

4 Wacziarg e Welch (2008).

5 Handley, (2014), Handley e Limao (2015) e Tang e Wei (2010).

6 Pavnik (2002) e Tybout (2003). 29

Propostas

1. Abertura comercial soberana

Diminuição das barreiras comerciais, tarifárias e não-tarifárias:

Reduzir a escalada tarifária da estrutura de proteção, tornando-a mais homogênea7;

Reduzir o custo das importações de produtos intermediários e de bens de capital8,

Simplificar a estrutura tarifária, definindo apenas quatro níveis de alíquotas para o imposto de importação: 0%; 5%; 10%; e 15%, que passaria a ser a alíquota máxima.

7 A estrutura tarifária atual tem alíquotas de 0% a 35% com muitos níveis de alíquotas.

8 Tarifa média para bens de capital no Brasil é de 13,0% e para bens intermediários de 11,7%.

2. Acordos comerciais

Negociação de acordos comerciais com outros países para obter maior acesso dos produtos brasileiros a outros mercados e para fortalecer o comprometimento com a nossa abertura comercial.

i. Concluir as negociações em curso com:

União Europeia: o bloco é o principal mercado para as exportações brasileiras e já há um grande esforço negociador despendido nesta frente de negociações;

México: segunda maior economia da América Latina e país com o qual o Brasil pode explorar o comércio intra-industrial.

ii. Avançar nas negociações com as Américas

Por meio da negociação de um acordo de livre comércio com os países da Aliança do Pacífico e da criação de uma abrangente área de livre 30

comércio na América Latina com a convergência de todos os acordos sub-regionais existentes no continente.

iii. Atualizar a agenda temática do Brasil para a OMC

O Brasil deve voltar a ter papel protagonista no foro multilateral e buscar participar das negociações de acordos plurilaterais que se desenvolvem no âmbito da OMC.

iv. Preparar o país para participar em acordos regionais mais abrangentes

Em uma etapa posterior, a agenda deveria envolver acordos de livre comércio com países como a Índia, a África do Sul e os países do Conselho de Cooperação do Golfo.

v. Aderir à negociação de acordos plurilaterais, como o TiSA (Trade in Services Agreement) e o ITA (Information Technology Agreement).

A participação do país em acordos comerciais para a liberalização dos serviços pode também eliminar barreiras e melhorar as condições de acesso a mercados. Uma opção seria ingressar nas negociações de acordos plurilaterais para o setor serviços (TiSA).

A adesão ao ITA permitiria a redução dos custos associados aos produtos de tecnologia da informação, fundamentais para a modernização da produção de bens e serviços no Brasil.

vi. Transformar o Mercosul de união aduaneira em área de livre comércio.

Para que o comércio continue livre entre os países-membros, mas cada país tenha liberdade de escolher suas próprias políticas comerciais com os outros países.

3. Desvincular o viés protecionista das políticas industriais

Eliminar políticas industriais que incorporam vantagens fiscais ou crédito subsidiado com o intuito de promover ou expandir a produção em determinados setores ou segmentos produtivos. Essas políticas, que em geral incluem como contrapartida a exigência de conteúdo local, distorcem a alocação de recursos 31

produtivos, aumentam os custos de produção e terminam por estimular investimentos ineficientes e pouco produtivos.

4. Incorporar a análise de concorrência na política de defesa comercial

A atuação do órgão responsável pela investigação de dumping e pela aplicação dos instrumentos de defesa comercial seja complementada pela análise dos impactos dessas medidas sobre as condições de concorrência, principalmente quando se tratar de produtos intermediários para os quais a oferta é concentrada em poucas empresas.

Considerações finais

As propostas aqui apresentadas se baseiam em uma liberalização comercial gradual, a ser completada em quatro anos, de modo a permitir o ajuste progressivo, da estrutura produtiva da economia ao longo do processo de abertura.

Apesar dos benefícios para a economia, a liberalização comercial pode ter impactos negativos em alguns setores específicos no curto prazo, apesar do gradualismo aqui proposto. Setores em que o país tem uma vantagem comparativa tendem a crescer, enquanto setores em que o país é relativamente menos produtivo diminuem de tamanho. Esse processo é benéfico para a economia como um todo, já que as firmas mais produtivas ocuparão uma maior parcela do mercado. Contudo, tal realocação provoca a diminuição de emprego em certos setores ou localidades, ao mesmo tempo em que há um aumento do emprego em outros. Esses impactos localizados poderiam ser mitigados com políticas públicas tais como o seguro desemprego e de requalificação da mão-de-obra para facilitar a sua integração em outros setores.

A integração da economia brasileira ao comércio mundial é essencial para aproximar o Brasil dos padrões tecnológicos compatíveis com a dinâmica do 32

sistema econômico internacional e para estimular a revitalização da indústria nacional. O resultado virá sob a forma de ganhos de produtividade e da consequente recuperação sustentada do crescimento econômico.

Mais importante, a abertura possibilitará aos mais pobres o acesso a uma cesta de bens e serviços mais ampla e barata. O impacto desta ampliação no consumo sobre os demais vetores da economia – tais como alimentação, lazer, saúde, segurança, educação, tecnologia e, finalmente, investimento – propiciará uma elevação significativa na qualidade de vida dos mais pobres.

Para que os resultados esperados possam se materializar, é necessário que a abertura comercial venha acompanhada de um conjunto de reformas voltadas para a redução dos custos de produção no Brasil e para a melhoria do ambiente de negócios, sendo a reforma tributária um de seus elementos centrais. 33

2. POLÍTICAS MICROECONÔMICAS

A agenda microeconômica é complexa devido ao grande número de diferentes mercados na economia e de fenômenos que interferem no seu bom funcionamento, assim como de instrumentos disponíveis para os agentes e para o policymaker afetarem os resultados em termos de preços e quantidades.

Uma economia alicerçada no bom funcionamento dos mercados é a melhor forma de organizar a atividade produtiva e de alocar os bens e serviços entre os consumidores. Um mercado funciona bem quando: não há falhas relevantes, os direitos de propriedade são bem definidos e garantidos, existem muitos compradores e vendedores, os preços flutuam livremente, há poucas barreiras à entrada e saída, e o custo de transação e a assimetria da informação são baixos.

A agenda microeconômica, portanto, inclui políticas para melhorar o funcionamento dos mercados que apresentem falhas; e remover intervenções onde elas não se justificam. O pano de fundo dessa agenda é a criação ou modificação de instituições que facilitem aos agentes econômicos as tomadas de decisões de forma ótima.

O funcionamento dos mercados supõe o direito de propriedade, que está, no entanto, relativizado no Brasil pela dimensão que a função social da propriedade ganhou no ordenamento jurídico brasileiro. A partir da Constituição de 1988, a função social tornou-se parte integrante do direito de propriedade, isto é, o direito a propriedade só existe enquanto satisfizer sua função social. E a jurisprudência tem sido contraditória, o que traz insegurança aos investidores. Ademais, diversas normas infraconstitucionais, como a aplicação da teoria de adimplemento substancial em alienações fiduciárias, trazem também insegurança ao credor.

Aqui se propõe a criação de varas especializadas em direito econômico e a disseminação dos princípios econômicos entre os juízes especializados. 34

Com regras claras e jurisprudência consistente, é possível gerar maior valor e dar segurança jurídica às atividades econômicas.

O bom funcionamento dos mercados supõe um ambiente competitivo. A partir de 1995, com a privatização de grande parte dos setores de infraestrutura, as agências reguladoras foram criadas para reger o bom funcionamento desses importantes setores, muitos operando em rede e/ou em regime de monopólio natural. Todavia leis específicas para cada setor regulado acarretaram desempenhos desiguais entre os setores. Por exemplo, a distribuição de responsabilidades entre as agências reguladoras e o CADE poderia estar mais bem definida.

Para o bom funcionamento dos mercados regulados, além da boa legislação específica, há necessidade de estabilidade na aplicação das regras. Para isso são necessárias quatro medidas, a saber: ter quadro dirigente estável, não permitir simultaneidade de substituição dos dirigentes, reduzir a influência política na designação dos dirigentes e conceder orçamento independente do poder executivo.

O projeto de lei 6.621/2016 resolve três das quatro medidas ora citadas, deixando a desejar no concernente à independência orçamentária das agências, que precisa avançar . Há, contudo, um avanço na uniformização do tratamento do orçamento com todas as agências, onde a negociação se dará com o mesmo órgão do executivo, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.

A proposta é trabalhar pela aprovação desse projeto de lei no horizonte próximo ao mesmo tempo em que se examina a possibilidade de reduzir a carga regulatória em mercados potencialmente competitivos.

As barreiras à entrada podem se dividir em duas: barreiras à concorrência internacional e barreiras à concorrência doméstica. As barreiras à concorrência internacional são as barreiras tarifárias e não tarifárias à importação de bens e serviços, discutidas acima. 35

Existem diversas barreiras legais que reduzem a concorrência doméstica e a possibilidade de diversidade de produtos oferecidos para os consumidores. Um exemplo é a proibição de bombas de combustível de autosserviço, que impede que consumidores coloquem combustível em seus veículos e paguem um preço menor por este. Outro exemplo é a proibição de que bancos façam seus clientes esperarem mais de 15 minutos na fila impede que os bancos ofereçam serviços mais baratos para quem não exigir rapidez no atendimento.

Uma das mais recentes restrições artificiais à concorrência são as dificuldades que têm sido interpostas aos aplicativos de carona remunerada, como a exigência de licenças especiais, o reconhecimento de vínculo empregatício entre os donos dos aplicativos e os motoristas que os utilizam, a exigência de carros mais novos que os exigidos aos competidores, como os taxis. Essas dificuldades artificiais reduzem a concorrência entre os ofertantes do serviço de transporte público individual.

A proposta é a retirada da legislação que impede o oferecimento de alternativas de serviços.

Custos de transação são os custos em que se incorre para levar a cabo uma transação. Um passo importante na discussão de reformas microeconômicas é o entendimento de que as transações econômicas envolvem muito mais do que a transferência de mercadorias ou a contratação de serviços: elas envolvem a transferência de direitos de propriedade.

Os custos de cumprimento de contrato também são uma fonte enorme de ineficiências no país. Embora muito se tenha avançado com a atuação geralmente eficaz dos órgãos de defesa do consumidor, ainda assim restam muitos problemas, especialmente naquelas situações em que a justiça se torna morosa. Essa morosidade não se deve apenas à carência de tecnologia de informação no judiciário, mas principalmente às nossas próprias leis, que permitem muitas instâncias recursais. 36

A proposta é a aceleração das decisões não apenas pela criação de tribunais especializados em direito econômico (conforme proposto acima), mas também pela simplificação do direito processual civil, reduzindo as instâncias recursais.

A assimetria de informação perpassa todas as relações econômicas. Mecanismos que dotem de maior transparência e facilitem o acesso das partes à informação que aumentem a eficiência e reduzam os custos das transações (a exemplo do cadastro positivo para transações de crédito ou de um sistema de registro de sinistros com veículos para mercados de revenda de veículos usados) tem o potencial de reduzir a assimetria de informação e prover ganhos significativos de bem estar. Vale sublinhar que a tecnologia blockchain tem o potencial de reduzir significativamente a assimetria de informação, e necessita ser regulada corretamente no Brasil para a disseminação de seu uso e o desenvolvimento de suas vastas aplicações. 37

2.1 REGULAÇÃO

A deterioração do ambiente regulatório no Brasil é preocupante. Em um momento em que é necessário retomar as privatizações, a insegurança jurídica e a má qualidade da regulação, sujeita a pressões políticas, acabam por distorcer o valor possível de arrecadar pela venda das empresas públicas ou criar estruturas de mercado prejudiciais à eficiência econômica. Outro impacto negativo é a consequente má qualidade dos serviços regulados e/ou seu elevado preço, com efeitos perversos para a população. Assim, embora regulação não seja o problema mais urgente que o próximo governo terá de enfrentar, ele precisa ser atacado de forma prioritária.

A regulação é realizada no Brasil por meio de mais de 50 agências, sendo onze federais9 e as demais municipais e estaduais. Também se dá a regulação por meio de ministérios (por exemplo, Ministério da Educação), autarquias especiais, como BACEN, CADE e CVM e, eventualmente, o próprio Poder Judiciário10. As diretrizes regulatórias que pautam a atuação de tais entes são estabelecidas em leis específicas e nos contratos de concessões. Daí depreende-se a necessidade de uma coordenação institucional harmoniosa entre tais entidades, especialmente com o Poder Judiciário, para reduzir conflitos na atribuição de funções e questionamentos de decisões, que geram incerteza regulatória, ineficiências e piora do ambiente de investimentos. É necessário que se criem mecanismos legalmente formalizados de articulação interinstitucional.

9 São as seguintes: ANATEL, ANEEL, ANCINE, ANAC, ANTAQ, ANTT, ANP, ANVISA, ANSANA, ANM.

10 O poder judiciário tem revertido ou suspendido decisões das agências reguladoras. Além disso, o TCU, vinculado ao Congresso, passou a emitir análises e recomendações com caráter determinativo sobre procedimentos das agências regulatórias, que passaram a ser bastante influentes. 38

É importante recordar que a regulação é importante quando há alguma falha de mercado que prejudique a eficiência econômica.11 Se não há falhas de mercado, mercados competitivos podem prover o bem de forma eficiente e não há necessidade de regulação específica. Em havendo falhas relevantes, a regulação objetiva criar condições (regras e incentivos) para que as empresas atendam o mercado da forma mais eficiente possível.

11 São consideradas falhas de mercado: assimetria de informação, poder de mercado, externalidades e bens públicos.

Portanto, para atingir seu objetivo de perseguir a eficiência, é necessário que órgãos reguladores detenham suficiente conhecimento econômico. Atualmente, esse conhecimento é pouco disseminado, tanto entre funcionários permanentes, quanto em diretores de agências e demais órgãos reguladores. A maioria destes têm escassa experiência acerca da dinâmica do funcionamento do universo que regulam e limitado treinamento econômico. Isso tende a provocar decisões que não promovem a eficiência econômica de um ponto de vista mais sistêmico. Para reverter esse quadro, propomos: 1) disseminação de conhecimento econômico junto a funcionários e corpo dirigente de entes reguladores, através de conferências, workshops, seminários e cursos; 2) aumentar o grau de exigência de conhecimentos de microeconomia nos concursos da agência; e 3) promover avaliação externa independente e recorrente da qualidade de atuação das agências. Tal mudança precisaria ser implementada através de lei.

Além disso, é necessário fortalecer as exigências em relação às análises de impacto regulatório (AIR), inclusive por meio de mudança legal. Em geral as AIR não incluem considerações de custos de adequação das empresas. Também há escasso comprometimento com as conclusões da AIRs. É preciso coibir tais práticas. Propomos: 1) introduzir um pré-estudo de necessidade das AIR, reservando-as apenas para casos de suficiente importância e utilizando análises mais condensadas para os casos de menor relevância; 2) exigir que, quando necessárias, as AIR sejam executadas e submetidas pelo corpo técnico de forma relativamente independente; 3) determinar que sejam avaliados custos de adequação (compliance) para emissão de qualquer norma; 4) introduzir a 39

exigência de análise posterior das normas, para verificar seu impacto real, cotejando-o com o impacto estimado.

Adicionalmente, para cumprir seu papel de promover a eficiência, os reguladores devem se colocar a igual distância entre o interesse imediato de consumidores, que esperam serviços por preços módicos, e dos empresários, que esperam ter seus investimentos remunerados. Um importante obstáculo a esse objetivo é o perigo de captura, tanto por interesses privados quanto políticos. Esse equilíbrio pode facilmente ser quebrado, para um lado ou outro, levando a ineficiências a longo prazo. Para isso, os órgãos reguladores precisam ter independência.

A independência das agências é minada por duas vias principais. Primeiro, as agências carecem de autonomia financeira. Apesar de muitas delas receberem taxas pelos serviços de fiscalização que exercem, tais recursos podem ser contingenciados pela administração. Seus orçamentos são incluídos nos orçamentos dos ministérios a que estão subordinados. No limite, a administração direta pode levar as agências à paralisia. Esse poder pode ser facilmente usado para punir atitudes rebeldes, o que acaba por exercer forte pressão para submeter a agência reguladora ao executivo.

Segundo, tornou-se prática comum o atraso do encaminhamento, pelo Presidente da República, de nomes para a posição de dirigentes das agências. Há casos em que tais situações se prolongam excessivamente. Como resultado, a capacidade operacional e decisória das agências é prejudicada por longos períodos com diretores interinos. Em vista dessa situação precária, tais diretores têm poucos incentivos a contrariar interesses do executivo, já que isso provocaria sua remoção mais ou menos imediata.

Esses dois mecanismos minam a independência das agências e limitam a possibilidade de que cumpram seu objetivo. Por outro lado, há que se mencionar que uma total independência, sem controle ou supervisão externa, tampouco é desejável. Afinal, uma agência totalmente independente estaria 40

sujeita às mesmas tentações mencionadas acima quanto ao executivo. Atualmente, a fiscalização externa é realizada pelo TCU, mas sua atuação está sujeita a críticas por se exceder em suas atribuições, interferindo nas decisões das agências, ao invés de simplesmente avaliá-las.

Para combater esse problema, seria necessário: 1) adotar a regra de liberação automática dos orçamentos das agências (regra do duodécimo), condicionalmente à arrecadação; 2) aperfeiçoar a forma de controle do desempenho das agências por meio do TCU fazendo com que se limite à avaliação, não interferindo com a autoridade das agências; e 3) adotar tempos limites para indicação de diretores permanentes, com consequências para o executivo que não cumpra tais limites.

Finalmente, apontamos a necessidade de evitar indicações políticas que não atendam a critérios de qualificações técnicas para as diretorias das agências. Nesse sentido, muitas das propostas do PL 6621/16 estão bem colocadas e coincidem, ademais, com algumas das propostas acima.12 Em particular, destacamos 1) exigir qualificação técnica nos moldes da nova lei das estatais; 2) introduzir a figura de diretores independentes; e 3) assegurar remuneração compatível com os desafios enfrentados pelos diretores, para tornar o cargo mais atrativo.

12 Em artigo separado, analisamos detalhadamente as mudanças introduzidas pelo PL 6621/16. 41

2.2 POLÍTICAS PARA A DEFESA E ADVOCACIA DA CONCORRÊNCIA

O tema concorrência é amplo e há seis temas prioritários: dois em defesa da concorrência, três em advocacia da concorrência e um, de cunho institucional.

De forma geral, pode-se dizer que, atualmente no Brasil as multas administrativas impostas pelo Cade não podem ser ditas dissuasórias e há insegurança jurídica de, ao menos, três naturezas. Além disso, a concorrência não ocorre a contento por ao menos três razões: regulação desconecta das falhas de mercado (que abarrota o Cade com processos administrativos), decisões judiciais e/ou importação desleal, e baixa concorrência externa. Por fim, o Cade se beneficiaria se fosse incluído no Projeto de Lei no 6.621 (projeto de lei das agências reguladoras). Estes são os seis assuntos, que serão abordados a seguir.

No tocante à defesa da concorrência, há dois itens e ambos objetivam maximizar a atuação dissuasória do Cade no âmbito de um Processo Administrativo Sancionador (PAS). O primeiro tema refere-se à sanção pecuniária estabelecida no artigo 37 (e subsidiariamente no artigo 45) da Lei 12.529/11; e o segundo, concerne às formas para diminuir a insegurança jurídica na atuação dissuasória do Cade.

Com respeito à primeira questão, atualmente, as sanções pecuniárias são desconectadas da vantagem indevidamente auferida pelo infrator e do dano causado à sociedade. A multa, por isso, não tem racionalidade econômica, não sendo possível afirmar que o Cade tem atuação dissuasória e que a multa seja proporcional ao dano causado. O ponto nevrálgico é que a multa, para ser dissuasória, deve ser uma função: (a) do tempo da conduta, (b) do mercado relevante em que ocorreu a conduta, (c) do tipo da conduta, (d) da diferença entre a receita total que o infrator obteve e a que ele teria obtido, e (e) da probabilidade de ser pego e punido. Além disso, é imprescindível estabelecer 42

as metodologias de cálculo que serão adotadas pelo Cade e um “Guia de Sanção Pecuniária”, objetivando nortear e dar previsibilidade aos condenados (seguindo o exemplo do que fazem as melhores agências antitruste no mundo).

A solução passa por uma alteração legislativa do artigo 37 (e também do artigo 45, em que há redundância e pode ser melhor escrito) da Lei 12.529/111 e, para haver menor judicialização das multas, regulamentar as “câmaras especializadas em concorrência e comércio exterior” (que já existem), e treinar os juízes nestas temáticas.

1 Anexo – Proposta de redação artigo 37 da Lei no 12.529/11.

Inciso I – no caso de empresa, a sanção pecuniária terá que ser maior do que a vantagem auferida indevidamente obtida pelo infrator e proporcional ao efeito (dano) causado por ela ao mercado. Caso a vantagem auferida ou o dano não puderem ser estimados pelo CADE, a sanção pecuniária será de 0,01% a 20% do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido no período da conduta e no mercado relevante onde ocorreu a infração.

Parágrafo 1: a multa máxima na esfera administrativa (isto é, no CADE) será de 40% do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido no período da conduta e no mercado relevante onde ocorreu a infração.

Parágrafo 2: a multa máxima na esfera civil para a empresa, grupo ou conglomerado será o dobro da imposta pelo CADE e, para a pessoa física, será o dobro da imposta pelo CADE.

Parágrafo 3: a multa máxima na esfera criminal para a pessoa física será o dobro da imposta pelo CADE.

Além disso, ainda no tocante à defesa da concorrência, atualmente há insegurança jurídica no que se refere a três tópicos: (1) às multas no Cade (como dito acima); (2) à interação das esferas administrativa, civil e criminal; e (3) à interação das diversas esferas e instituições, no caso de cartel em licitação pública. São, assim, três frentes de insegurança jurídica que precisam ser endereçadas.

A primeira fonte de insegurança jurídica diz respeito ao fato de que, atualmente, apenas 23% das multas aplicadas pelo Cade seguem o artigo 37, o que gera considerável imprevisibilidade no cálculo do valor das sanções. 43

Como estes valores são a base para estimar as contribuições pecuniárias dos acordos feitos entre o Cade e os infratores (chamados de TCCs), esses valores acabam sendo, também, imprevisíveis. Em 2017, por exemplo, 70% da “arrecadação” do Cade derivou destes acordos, uma vez que ainda há elevada judicialização das multas impostas pelo Cade. Neste sentido, urge alterar o art. 37, pois, em dando previsibilidade às multas, as contribuições pecuniárias dos acordos também serão previstas, mantendo, assim, o exitoso “Programa de TCC” do Cade.

A segunda fonte de insegurança jurídica concerne a interação entre as esferas administrativa (Cade), civil (reparação de danos, na Justiça) e criminal (quando for cartel, na Justiça). Como cada instância é independente da outra, não há uma logística processual entre elas, logo a multa total a ser paga pode ser expressivamente superior ao dano cometido pelo infrator. No caso de cartel sem corrupção (que não envolve outras instituições, como a AGU, a CGU e o TCU), por exemplo, atualmente esta falta de interação não é problemática, pois: (1) na esfera criminal, nenhum caso relevante de cartel foi condenado e ninguém foi para a prisão; e (2) na esfera civil, quase nenhum infrator condenado pelo Cade é chamado a ressarcir danos privados, pois o processo é custoso e tem baixa probabilidade de êxito. Desta forma, hoje, a condenação ocorre somente no âmbito administrativo e, mesmo assim, com multas que não são necessariamente dissuasórias. Supondo que as esferas passem a funcionar a contento (objetivo do Estado), haverá expressiva insegurança jurídica acerca de quanto será o montante da sanção pecuniária total, considerando todas as três esferas. Esta pode, no limite, levar as empresas à falência2.

2 Um paralelo pode ser feito com o que está ocorrendo quando há um cartel com corrupção. Neste caso, as empresas que participaram na delação premiada não conseguem facilmente crédito no mercado (nem com o BNDES nem com o setor privado), pela incerteza de quanto a empresa pode vir a ser chamada a pagar na esfera civil. 44

A solução comporta: (1) criar mecanismos para que as três esferas funcionem adequadamente. Um exemplo seria estabelecer que o Cade estime o dano do cartel, com o propósito de baratear o custo a ser incorrido pelas vítimas ao pedir a reparação de danos privada; (2) acordar (entre as três esferas) uma logística processual, por exemplo, primeiro o Cade sanciona, depois, intervém a esfera criminal e, por fim, a civil; e (3) inserir limites máximos de multa no artigo 37. Haveria desta maneira maior previsibilidade quanto à multa total máxima a ser paga pelo réu. Este fato facilitaria, dentre outros aspectos, a empresa ou a pessoa física a tomar crédito junto ao mercado, permitindo que os agentes mensurem os riscos envolvidos.

A terceira fonte de insegurança jurídica se refere à interação entre as instituições, nos casos de cartel em licitação pública. Como tem dano ao Erário e frente à lei anticorrupção (2014), há outras instituições que podem agir, por vezes, de maneira conflituosa. A CGU e a AGU fazem leniência, assim como o Cade. O TCU, por sua vez, homologa o que é feito pela CGU. Além disso, se o caso se referir ao setor financeiro, BCB e CVM podem ser acionados. Mais ainda: o Ministério Público (MP) e a Polícia Federal (PF) quase sempre atuam (delação premiada). Em suma, nos casos de cartel em licitação pública, há 8 instituições que podem participar de um mesmo fato/dano (Cade/CVM/BCB, MP/PF, CGU, TCU e AGU). A solução passa por um acordo entre todas estas instituições, com regras sobre compartilhamento de provas e com um “balcão único”. Afinal, o objetivo do Estado não é quebrar a empresa, mas fazê-la pagar pelo dano cometido e impedir a repetição da prática.

No tocante à advocacia da concorrência, há três tópicos de maior relevância. O primeiro tem como objetivo diminuir o número de Processos Administrativos no Cade. Atualmente, há casos de condutas anticompetitivas que tramitam no Cade devido às falhas de mercado em mercados regulados, não resolvidas pelos reguladores setoriais. O Cade, nestas situações, “enxuga gelo”, pois suas atuações são pouco eficazes no longo prazo. A solução passa por uma interação de fato efetiva entre o Cade, as agências reguladoras e a SEAE/MF, para identificar e implementar soluções robustas. 45

O segundo item tem como objetivo eliminar/minimizar a competição desleal. Atualmente, há, ao menos, duas situações observadas: (1) quando a empresa importa um produto, mas diz ser outro para pagar menos imposto (setor de combustível); e (2) quando o judiciário concede liminares favoráveis a empresas, gerando distorções tributárias entre players do mesmo setor. A solução passa pelo Cade atuar em conjunto com a SEAE/MF e a Receita Federal/MF.

Por fim, o terceiro tema objetiva eliminar/minimizar as barreiras à importação. Atualmente, há diversos setores concentrados – como os diversos elos da cadeira petroquímica (PTA e Resinas PET) –, devido à baixa concorrência externa. A solução passa pelo Cade atuar em conjunto com a SAIN/MF, a SEAE/MF, o MDIC e o MRE, objetivando reduzir as barreiras tarifárias e não tarifárias, começando por igualar a média tarifária do país à da OCDE.

Como último tema – o institucional – seria imperante incluir o Cade (assim como outras autarquias) no escopo do Projeto de Lei no 6621, que concerne à melhora na governança da instituição e à escolha dos membros para as diretorias e/ou Conselhos. 46

2.3 INFRAESTRUTURA

O Brasil investiu em 2017 1,69% do PIB em infraestrutura, e estima-se 1,70% em 2018. Cálculos recentes de estoque de capital realizados para o IPEA sugerem a necessidade de se investir 2,3% do PIB apenas para compensar a depreciação do capital fixo per capita. Já para modernizar a infraestrutura do país, no sentido de universalizar a cobertura de serviços básicos e melhorar sua qualidade consistente com um país de renda média, haveria necessidade de se investir 4,15% do PIB por aproximadamente duas décadas. Vale lembrar que os indicadores de qualidade da infraestrutura – com poucas exceções – indicam grande fragilidade, inclusive por falhas na governança do investimento.

Há convergência em torno de dois objetivos em infraestrutura no país: há necessidade de se ampliar os investimentos, como melhorar a eficiência com que são realizados. O país desperdiça um grande volume de recursos por conta das conhecidas dificuldades de execução, concentradas no setor público, mais além da prática de sobre preço e outras distorções. O resultado é que nem sempre com os custos incorridos entregam-se os benefícios prometidos em termos de qualidade de serviços. Onde se encontram os maiores hiatos? Em transportes (que se reflete numa matriz de baixa eficiência, inclusive no âmbito da mobilidade urbana) e saneamento, setores onde maiores são os retornos sociais comparados com os retornos privados.

Investimentos em Infraestrutura % do PIB. Média anual 2001 – 2016

Necessário para Modernizar

Hiato

Hiato/Inv. Médio (%)

Transportes

0,67

1,96

1,29

191

Energia

0,61

1,05

0,44

72

Telecomunicações

0,57

0,71

0,14

24

Saneamento

0,18

0,44

0,26

146

Total

2,03

4,15

2,12

105

relevante; como em outros países, não se daria partida a uma intervenção física ou uma obra sem projeto básico e executivo, sem orçamento confiável, e sem mecanismos eficazes e transparentes de fiscalização e acompanhamento.

Empresas estatais ou controladas pelo Estado necessitam ser privatizadas. As razões são conhecidas: captura política; baixa autonomia do gestor público; limitações ao investimento; e o imperativo fiscal. Há um espaço considerável para transferência de empresas, operações e ativos para o setor privado em infra. Fundamental que haja a decisão política de levar adiante um programa ambicioso de privatização, e cuja execução se faça em tempo hábil, particularmente em transportes e saneamento, os setores mais distantes de atender às necessidades da população, onde há uma significativa cunha de ineficiência.

Finalmente, é importante preservar o PPI, e dar continuidade ao processo de concessões e privatizações. Nesta perspectiva, o BNDES tem um papel de grande relevância, pois tem musculatura técnica para apoiar o processo de privatização, porém se vê subutilizado, pois carece do mandato. Já o PPI e Ministérios tem o mandato, mas carecem de recursos humanos e técnicos. Torna-se assim imperativo um trabalho conjunto PPI-BNDES de modo a garantir celeridade e integridade a processo de desestatização e envolvimento privado em infraestrutura.

2.4 CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

O mundo está passando por uma nova revolução científica e tecnológica que vem sendo impulsionada pela escala dos recursos alocados e esforços empreendidos por países, instituições e empresas. Estamos, com toda a probabilidade, no limiar de uma transformação sem precedentes, que utiliza  

48

os instrumentos, métodos e poder computacional da revolução digital para acelerar o processo de descoberta, e sua tradução em novos bens e serviços.

O Brasil, nos últimos 20 anos, fez um esforço considerável, alicerçado em políticas e instituições construídas ao longo de duas gerações. Os gastos do Brasil com pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I) chegaram a 1,28% do PIB em 2015, no limite inferior dos países desenvolvidos e acima dos países de renda média. O resultado desse esforço foi ampliação da participação da produção científica brasileira (medida por publicações em revistas referenciadas) de 0,81% para 2,11% da produção global entre 1996 e 2016. Já se utilizando por métrica de inovação as patentes concedidas internacionalmente a residentes, houve queda acentuada de 0,24% para 0,07%, inclusive pelo desempenho marcante da Coréia do Sul, e mais recentemente da China. Sob a ótica da produtividade dos recursos empregados em P&D, o Brasil se situa abaixo da média de 25 países relevantes, sendo a diferença menos acentuada em termos de produção científica, e superior em uma ordem de magnitude no caso de inovação.

Produtividade dos Gastos de P&D: Brasil, Média de 25 países e fronteira, 2015 (em PPP US$ por patentes concedidas ou trabalhos referenciados) 49

Fonte: Frischtak (2019)

Os dados da Pesquisa de Inovação (PINTEC) do IBGE reforçam a percepção de que se inova pouco no país, e talvez ainda mais grave, que as empresas têm engajamento limitado em transferência de tecnologia. De fato, os resultados das PINTECs, já na sua 5ª edição (2012-14), são bastante consistentes e apontam o fato de que pouco mais de um terço das firmas introduzem produtos ou processos novos seja no âmbito global, no mercado doméstico, ou mesmo em relação ao seu status quo ante. A grande maioria das empresas entrevistadas simplesmente não aperfeiçoam processos ou produtos – o que, em parte, explica a estagnação da produtividade no país.

E porque não o fazem? As razões incluem custos (e riscos – leia-se, custos de transação) elevados para inovar e adaptar tecnologia quando comparado com os de países desenvolvidos e economias emergentes; escassez de pessoas qualificadas, particularmente de engenheiros capazes de traduzir conceitos e ideias em utilidades, estando muitas “represadas” nas universidades públicas; e incentivos econômicos distorcivos, por força tanto de um ambiente de negócios adverso quanto do protecionismo de muitas décadas, que exigem uma profunda reforma do regime de comércio exterior.

O número de engenheiros formados por ano no Brasil, por exemplo, é baixo (último lugar dentre 28 economias relevantes), limitando a formação de uma 51

massa crítica capaz de impulsionar a inovação e a transferência de tecnologia. Além do mais, há forte restrição à imigração (e reconhecimento de instrumentos de acreditação externos), sendo a participação de estrangeiros no mercado de trabalho (0,32% na década passada) uma das mais baixas. Há ainda elevadas barreiras para importação de tecnologia incorporada em máquinas e equipamentos (por similaridade nacional, por serem usados), e desincorporada em serviços (ex. tarifa de importação de assistência técnica entre 36,6% e 49,7%) e baixa mobilidade doméstica de pesquisadores.

Neste contexto, demandar mais incentivos fiscais e financeiros do governo é contraproducente, e não apenas pelas restrições de recursos. Ainda mais importante é ineficaz, pois somente se adotando reformas de natureza estrutural o país reduzirá seus custos diretos (e de transação) o suficiente para se tornar competitivo no âmbito da inovação, difusão e adoção de novas tecnologias.

O direcionamento dos gastos de P&D deve ser dado pelas empresas, consistente com a experiência internacional em que sua participação supera a do governo (atualmente em 50%). Para estimular as empresas a investirem mais em P&D, assim como em transferência e adaptação de novas tecnologias e, ao mesmo tempo, encorajar o setor público a tornar o seu gasto em P&D mais produtivo se propõe:

Eliminar barreiras tarifárias e não tarifárias, para importação de equipamentos, materiais, insumos e serviços utilizados em P&D&I, reduzindo o custo (e risco) das atividades científicas e tecnológicas.

Facilitar emissão de vistos permanentes para pesquisadores, engenheiros e técnicos, por meio da reforma de leis de imigração e pelo reconhecimento de diplomas, de forma a ampliar a oferta de pessoas qualificadas.

Manter o nível de orçamento governamental de P&D em relação ao PIB, sujeito, porém à avaliação de impacto ex-ante e ex-post dos gastos governamentais, do financiamento à inovação, e dos incentivos fiscais.

52

Acelerar a regulamentação do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei 13.243/2016 e Decreto 9.883/2018), que estimula colaboração universidade-empresa.

Avançar com o estímulo à meritocracia nas universidades e instituições de pesquisa públicas.

Estimular os investimentos em desenvolvimento de tecnologias digitais que permeiam todas as atividades econômicas, adaptando legislação e normas legais ao novo ambiente digital.

53

3. POLÍTICAS SOCIAIS

3.1 POLÍTICAS DE COMBATE À POBREZA E DESIGUALDADE

Histórico e Diagnóstico

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE (PNAD), a população brasileira vivenciou um ciclo de crescimento da renda e redução da desigualdade que levou à queda acentuada da pobreza entre 2004 e 2013. Nesse período, a renda domiciliar per capita (RDPC) cresceu 4,7% ao ano (de R$722 para R$1092). Ao mesmo tempo, os rendimentos dos mais pobres cresceram mais rápido do que os rendimentos dos mais ricos, reduzindo a desigualdade medida pelo índice de Gini de 0.571 para 0.525. Tal combinação de crescimento com a redução da desigualdade fez a pobreza cair rapidamente – estima-se que um terço da queda da pobreza resultou da redução da desigualdade e dois terços do crescimento da renda. Em 2013, a proporção da população que vivia com menos de R$140 mensalmente em bases per capita foi reduzida a 9%, em contraposição a 22% em 20043.

3 R$140 per capita de junho de 2011 corrigidos pela inflação do período equivalem a R$184.31 em setembro de 2015.

4 Vale notar que houve uma a alteração metodológica na coleta dos dados em 2014 e 2015. Logo, os resultados desses 2 anos não são diretamente comparáveis com o restante da série (2004-2013).

Infelizmente, entre 2014 e 2015, a renda estagnou (a RDPC foi de R$1130 para R$1057), da mesma forma que a desigualdade (o Gini ficou estável em 0.515) e a pobreza aumentou (de 7% para 9% da população4).

A PNAD Contínua (PNADC) contribui para refletir sobre uma eventual fragilização ou mesmo esgotamento das estratégias adotadas no combate à pobreza e à desigualdade, pelas informações disponibilizadas sobre os programas sociais e outras transferências, em especial os programas Bolsa Família (BF) e o BPC/LOAS. A PNADC mostra que em 2016, o BF tinha por foco os mais pobres, contribuindo de forma mais eficaz para a redução da 54

desigualdade do que o BPC. De fato, os 20% mais pobres da população viviam com menos de R$315 per capita por mês e recebiam cerca de 60% dos valores declarados do BF; pouco mais de 10% do BPC; e menos de 5% das aposentadorias e pensões. Já os 20% mais ricos vivam com mais de R$1500 per capita por mês, não ganhavam BF, mas auferiam cerca de 5% dos valores do BPC e pouco mais de 55% dos valores das aposentadorias5.

5 (a) Os valores da PNADC estão a preços médios de 2016. (b) Quando as aposentadorias mais elevadas são subsidiadas pelo governo, há transferência de recursos de pessoas relativamente mais pobres para pessoas relativamente mais ricas, aumentando a desigualdade. Segundo um relatório recente do Banco Mundial, mais de 60% dos subsídios foram para pessoas com renda superior a mediana e pouco mais de 20% dos subsídios foram para 20% mais ricos em 2015. BANCO MUNDIAL (2017) Um Ajuste Justo. Disponível em:

<http://documents.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/Volume-I-s%C3%ADntese>.

6 (a) Tais linhas são (aproximadamente) R$135, R$220 e R$390 per capita por mês a preços médios de 2016. Ver <http://iresearch.worldbank.org/PovcalNet/home.aspx>. (b) O “déficit” de renda de uma pessoa pobre foi definido pela diferença entre a linha de pobreza e a renda domiciliar per capita dela antes de receber os benefícios do BPC e BF; por esses déficits, a pobreza seria 9%, 16% ou 28% (respectivamente) e 22% do BF e 36% do BPC iriam para pessoas não pobres com mais de $5.50.

É possível reduzir os níveis de pobreza existentes, mas precisamos definir a linha de pobreza e escolher as prioridades. Utilizando os dados da PNADC de 2016 e as linhas do Banco Mundial de 1,90, 3,20 e 5,50 dólares por dia, a proporção dos brasileiros na pobreza foi estimada em 7%, 13% ou 26%, respectivamente, e os “déficits” de renda dos pobres foram da ordem de 0,7%, 1,6% ou 4,5% da RDPC (R$1242 por mês). Além disso, somando os valores do BPC com os valores do BF teríamos um montante que corresponderia ao dobro, a (quase) o mesmo valor e a um terço dos “déficits” de renda calculados com as linhas de $1.90, $3.20 e $5.50. Ou seja, o BF e do BPC juntos poderiam levar a extrema pobreza à níveis muito baixos e reduzir bastante a pobreza se os recursos fossem transferidos, prioritariamente, para os mais pobres. No entanto, boa parte dos recursos destinados ao combate à pobreza e à desigualdade não fica com os mais pobres (27% dos valores do BF e 81% dos valores do BPC são direcionados para pessoas com renda superior a linha de pobreza de $5.50)6.

As crianças e jovens são particularmente vulneráveis à pobreza no Brasil. A proporção de crianças e jovens (com até 14 anos) vivendo abaixo da linha de pobreza foi 11%, 22% e 43% (pelas linhas de $1.90, $3.20 e $5.50), o que 55

corresponde ao dobro da proporção de adultos pobres e cerca de dez vezes a proporção de idosos na pobreza. Cabe mencionar que os jovens entre 15-17 e 18-24 anos também merecem atenção tanto pela elevada incidência da pobreza como por questões específicas tais como a maior propensão (ou risco) de interromper a educação formal (entre 15-17 anos) e a dificuldade de se inserir adequadamente no mercado de trabalho (entre 18-24).

Evidências da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do imposto de renda e de outras bases de dados complementam, ampliam e alteram a nossa compreensão sobre a evolução da pobreza e a desigualdade no Brasil. Tais informações revelaram, por exemplo, um novo quadro no qual os níveis de desigualdade de consumo/renda quase não se alteraram na década passada, apresentando, dessa forma, uma evolução muito diferente daquela retratada pela PNAD7. Esse quadro reforça a importância de se redobrar os esforços de redução da pobreza e desigualdade no país.

7 OLIVEIRA et al (2017) The expansion of consumption and the welfare dynamics of the Brazilian families: a decomposition analysis of poverty and inequality, Seventh ECINEQ Meeting, New York <http://www.ecineq.org/ecineq_nyc17/FILESx2017/CR2/p167.pdf>. SOUZA (2017) A History of Inequality: Top Incomes In Brazil, 1926/2014 <https://osf.io/preprints/socarxiv/wevyu/>.

Diretrizes para o combate à pobreza

Reduzir os gaps de informação por meio de levantamento de dados regulares sobre a renda, o consumo e componentes não monetários que informem sobre as desigualdades de oportunidades, desenvolvimento e vulnerabilidades das pessoas. A POF, que já levanta informações sobre a renda e consumo, poderia incorporar tais temas e ser executada com mais frequência. Além disso, seria essencial combinar as informações das pesquisas domiciliares com bases de dados administrativas (Imposto de Renda, do Cadastro Único, etc). 56

Redimensionar a pobreza e o público alvo das transferências não contributivas. Recentemente, o Brasil e outros países foram chamados à (re)dimensionar a pobreza nacional em termos monetários e não monetários no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Este é um momento propício ao cálculo e redefinição de linhas de pobreza. Também é o momento de olhar indicadores não monetários que ajudem a dimensionar a pobreza8.

8 Os seguintes indicadores dos ODS chamam atenção: (a) proporção da população em extrema pobreza pela linha de $1.90 (desagregando por sexo, idade, localização e status de trabalho); (b) proporção de pobres por sexo e idade segundo a linha de pobreza nacional; (c) proporção de pobres (por sexo e idade) considerando todas as dimensões da pobreza definidas nacionalmente; (d) crescimento da renda dos 40% mais pobres. Ver <https://unstats.un.org/sdgs/metadata/>. Sobre indicadores não monetários para América Latina ver Villatoro (2017) Indicadores no monetarios de pobreza: avances y desafíos para su medición, CEPAL: Serie Seminarios e Conferencias 84 <http://repositorio.cepal.org/handle/11362/43140>.

9 Tais indicadores apontam quais são os contextos geográficos (ou grupos da população) mais vulneráveis e deveriam ser utilizados para alocar dos recursos disponíveis, priorizando as comunidades (ou grupos) mais pobres.

10 Heckman argumenta que os investimentos na primeira infância têm os maiores retornos (HECKMAN (2006) Skill Formation and the Economics of Investing in Disadvantaged, Children Science 30). Oliveira (2016) estima que as condições da moradia impactam a saúde e as condições de saúde impactam a educação de crianças e jovens (OLIVEIRA (2016) Uma Avaliação das Capacidades e da Pobreza de Crianças e Jovens, IPEA: Seminário 483). Mais detalhes sobre o PADIN em <http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/o-paic/padin>.

Priorizar os pobres. Indicadores monetários e não monetários podem auxiliar nessa tarefa, mesmo que a renda familiar continue como critério de elegibilidade aos programas9. Além disso, tais indicadores podem sinalizar a necessidade de políticas complementares voltadas, por exemplo, ao desenvolvimento na primeira infância, a manutenção das crianças e jovens nas escolas (em tempo integral), e o acompanhamento da saúde dos beneficiados. O Programa de Apoio ao Desenvolvimento Infantil (PADIN) do Ceará, por exemplo, conta com professores da rede infantil para instruir os pais e levar para dentro dos lares os estímulos necessários ao bom desenvolvimento físico, emocional, cognitivo das crianças na 1ª infância10.

Priorizar as crianças e jovens pobres. Atualmente, o BF dá prioridade às crianças e jovens, porém, como vimos, este grupo continua vulnerável. Cumprir os ODS exigirá direcionar recursos e esforços tanto para reduzir a pobreza nas 57

famílias com crianças e jovens (e, possivelmente, gestantes) quanto para incentivar a educação. Essas famílias poderiam receber um benefício adicional que cumprisse esse duplo objetivo (alternativamente, uma parte desse benefício poderia ficar retido em uma poupança e ser liberado na medida em que o aluno apresentasse o desempenho escolar esperado11).

11 BARRERA-OSORIO et al (2011), Improving the Design of Conditional Transfer Programs: Evidence from a Randomized Education Experiment in Colombia. American Economic Journal: Applied Economics 3, n2, 167–95

12 Em algum momento, o Salário Família e o Abono Salarial poderiam ser unidos ao programa e garantir recursos para o pagamento de benefícios de quem estiver no programa e conseguir um emprego formal. No caso, a pessoa receberia os benefícios por 1 ano mesmo estando empregada (atualmente, o BF permite que se receba por 2 anos). Alternativamente, o Abono Salarial poderia ser usado para incentivar as empresas a contratar jovens sem muita experiência e outras pessoas com dificuldades de inserção no mercado de trabalho e em situação vulnerável. Por fim, em algum momento, as aposentadorias não contributivas também poderiam ser integradas ao “programa único de transferência”. Nesse momento, cabe ressaltar a necessidade de eliminar os subsídios dados para as aposentadorias dos 20% mais ricos.

“Programa único de transferência social” e (re) dimensionamento os recursos disponíveis ao combate à pobreza e à desigualdade. Os programas Bolsa Família e BPC são dois importantes programas de transferência de caráter não contributivo. Esses dois programas poderiam ser unidos e os valores dos benefícios revistos em um arcabouço comum priorizando os mais pobres e vulneráveis, em especial as crianças. Os valores dos benefícios precisariam ser estipulados com base no redimensionamento da pobreza nacional (sugerido acima) e na disponibilidade de recursos.12

Os programas sociais precisam ser avaliados e (eventualmente) reformulados com maior frequência. É importante que o desenho institucional dos órgãos que participem das avaliações contemplem razoável autonomia em relação aos órgãos responsáveis pela implementação dos programas. Ademais, órgãos de avaliação terão que lidar e ter algum grau de envolvimento com as agências internacionais que hoje são responsáveis pelo monitoramento dos ODS. 58

3.2 A CRISE DA PREVIDÊNCIA BRASILEIRA

Uma discussão de propostas para solucionar o crescente desequilíbrio fiscal da previdência brasileira depende de uma apresentação prévia dos diferentes regimes de aposentadoria. Na prática os sistemas previdenciários podem se financiar por três regimes distintos, que são: (i) repartição; (ii) capitalização; e (iii) misto.

No regime de repartição os trabalhadores, em atividade, contribuem para o pagamento do benefício aos aposentados e pensionistas, na inatividade. Há no regime de repartição, uma necessidade de efetiva colaboração entre os contribuintes, adultos, e os beneficiários, idosos. Esta necessidade de cooperação entre as diferentes gerações para garantir o funcionamento adequado do regime evidencia que a principal característica do referido modelo previdenciário é a solidariedade.

A sustentabilidade fiscal de um sistema de previdência, que adota o regime de repartição, depende da proporção entre trabalhadores e aposentados. Por um lado, quando existe um número relativamente grande de trabalhadores contribuintes para uma quantidade reduzida de aposentados, beneficiários, o sistema tende a produzir superávits. Por outro, o sistema tende a produzir déficits justamente quando ocorre o contrário, ou seja, o regime de repartição costuma apresentar saldos negativos exatamente nos casos em que a proporção de aposentados é relativamente maior do que a de trabalhadores.

Já no regime de capitalização cada indivíduo contribui, enquanto está em atividade, para uma conta individual cujos recursos são revertidos em benefícios de aposentadoria, quando ocorre a transição para a inatividade. Esta independência de cada pessoa no regime de capitalização, em que o benefício recebido pelo agente depende única e exclusivamente das suas próprias contribuições, corrobora a visão de que o referido tipo de sistema previdenciário tem como sua principal característica a autossuficiência de cada agente. 59

A individualidade intrínseca dos regimes de capitalização é frequentemente criticada. No entanto, os sistemas previdenciários que adotam o regime de capitalização possuem uma vantagem que é poucas vezes mencionada, que é o equilíbrio atuarial, visto que neste tipo de sistema previdenciário cada indivíduo recebe, na inatividade, benefícios compatíveis com o montante poupado, durante o período em atividade. No entanto, vale ressaltar que mesmo os regimes de capitalização podem ter déficits atuariais, especialmente quando não possuem planos de aposentadoria do tipo contribuição definida. Caso os planos sejam de benefício definido, a probabilidade de aparecerem déficits substanciais permanece. No caso brasileiro serve de exemplo o Postalis, fundo de pensão dos Correios, que apresenta um desequilíbrio atuarial expressivo, apesar de funcionar em um regime de capitalização.

Frisa-se que a escolha inicial por um regime de repartição torna extremamente difícil a mudança para um regime de capitalização, vez que, por definição, ela implica no chamado déficit de transição, decorrente da individualização das contribuições, produzindo perda de arrecadação, enquanto a geração corrente de beneficiários da repartição deve continuar sendo paga.

Resta tratar dos chamados regimes previdenciários mistos. Mais precisamente, este tipo de sistema de aposentadoria tende a ser constituído a partir de uma combinação entre os regimes de repartição e de capitalização. Em alguns casos o sistema misto se aproxima mais de um regime de capitalização. Porém, em outras circunstâncias, o regime misto guarda maior semelhança com um regime de repartição.

Explicadas as três formas principais de organização de sistemas previdenciários (repartição, capitalização e misto) parte-se agora para uma discussão mais aprofundada do caso brasileiro. Mais precisamente, a crise da previdência brasileira está principalmente ligada a dois fatores: (i) o envelhecimento populacional extremamente acelerado; e (ii) a escolha por um regime de repartição com regras que são frequentemente criticadas por serem mais generosas do que aquelas vigentes em outros países. 60

Alguns números da previdência brasileira ajudam a ilustrar a seriedade do problema. No presente, os déficits financeiros já superam os R$ 300 bilhões por ano. Além disso, projeções do Tesouro Nacional sugerem que o rápido envelhecimento da população brasileira, associado à uma manutenção das generosas regras previdenciárias atuais, acarretará em um déficit estimado de R$ 15 trilhões até 2060.

Diante deste quadro, existem três formas de atenuar o desequilíbrio estrutural da previdência brasileira. A primeira é realizar uma reforma do atual sistema de repartição, procurando alterar as regras, de forma a atenuar o fluxo de despesa do modelo que está em vigor, nos moldes da proposta discutida pelo Congresso a partir de 2016. A segunda, complementar à primeira, é fazer uma transição do atual sistema de repartição para um modelo de capitalização, permitindo o equilíbrio no longo prazo, décadas adiante. A terceira é migrar para um sistema misto que mantenha ainda algumas caraterísticas de um regime de repartição, porém, adicionando elementos selecionados de um modelo de capitalização.

A reforma do sistema de repartição proposta recentemente pelo governo parece o mais apropriado, pois além de reduzir os desequilíbrios já existentes na previdência, tem a vantagem de facilitar uma eventual transição tanto para um sistema misto quanto para um modelo de capitalização. No entanto, esta crença na reforma do atual sistema de repartição como sendo um bom ponto de partida não deve servir de pretexto para abdicar de mudanças mais radicais, como uma transição para um regime misto ou de capitalização. Assim, concomitantemente a uma reforma do atual sistema de repartição deve-se procurar estudar, de maneira mais aprofundada, os eventuais custos e benefícios de um regime misto ou até a transição completa para um modelo de capitalização. 61

3.3 EDUCAÇÃO

1 – Diagnóstico

Historicamente, a educação nunca foi prioridade no Brasil. Durante a colonização, a impressão de livros foi proibida, assim como a criação de cursos de ensino superior, e mesmo após o fim do regime colonial os investimentos em educação continuaram muito reduzidos. Enquanto vários outros países caminhavam para universalizar o acesso ao ensino médio durante o século XX, no Brasil menos de 10% da população adulta alcançava esse nível. Somente a partir do final dos anos 80 é que o Brasil começou a avançar mais rapidamente para universalizar o acesso à educação básica, sendo que atualmente cerca de 75% dos jovens alcança o ensino médio.

Entretanto, a qualidade da educação ainda é muito baixa. Houve melhora significativa no aprendizado nos primeiros anos do ensino fundamental (EF), mas os avanços nas séries finais do EF e no ensino médio foram pequenos na maior parte do país. Por exemplo, o desempenho médio dos alunos brasileiros de 15 anos de idade no exame PISA (realizado a cada três anos pela OCDE) está sempre entre os piores com relação aos outros países que fazem a prova. Todos os estados brasileiros têm desempenho abaixo do México nesse exame. Assim, nosso principal problema educacional atualmente é o baixo aprendizado dos nossos jovens. Além disso, a evasão no ensino médio ainda é grande e a parcela de jovens que cursa o ensino superior ainda é muito baixa em comparação com nossos vizinhos, principalmente entre os mais pobres.

Os gastos com educação aumentaram bastante nos últimos anos, juntamente com o aumento nas matriculas em todos os níveis. Por exemplo, os gastos totais aumentaram de R$166B em 2000 para R$342B em 2014, atingindo cerca de 6% PIB. Além disso, os gastos por aluno aumentaram ainda mais, pois a transição 62

demográfica está fazendo com que o número de alunos diminua rapidamente, tendo passado de 40 para 30 milhões nos últimos 15 anos. No ensino superior, os gastos por aluno permaneceram constantes, pois o número de alunos aumentou na mesma proporção que o aumento de gastos. Entretanto, ainda há um desbalanceamento nos gastos por aluno entre níveis educacionais, uma vez que o gasto por aluno no ensino superior é de R$22mil por aluno, enquanto no ensino básico gastamos R$6mil. Por fim, a evasão no ensino superior é bastante elevada, tanto no setor público como nas faculdades privadas, o que denota um significativo desperdício de recursos (inclusive daqueles alocados ao crédito estudantil, que via de regra se caracteriza por elevada inadimplência). Dados recentes mostram que aproximadamente metade dos alunos abandonam o seu curso nos 5 primeiros anos e somente 30% deles se formam em 5 anos.

As melhores evidências disponíveis mostram que um bom desenvolvimento infantil é essencial para o sucesso em todas as etapas posteriores da vida, seja na escola ou no mercado de trabalho. Assim, é importante que os municípios brasileiros tenham políticas públicas específicas para essa fase da vida, seja através de creches com qualidade ou programas de visitas domiciliares que ajudam as famílias a interagirem com suas crianças para desenvolver plenamente seu potencial. A prioridade dos gastos sociais deve ser nessa fase da vida, pois são os que geram maior retorno.

O sistema educacional brasileiro é descentralizado, contando com redes municipais e estaduais, sendo que em muitos casos há escolas estaduais e municipais que atendem alunos da mesma serie na mesma cidade. O principal sistema de financiamento educacional no Brasil é o Fundeb, um fundo criado em 2008 (em substituição ao Fundef) para equalizar os gastos por aluno em todas as redes educacionais dentro de um mesmo Estado. A vinculação de gastos estabelece que todos os estados e municípios devem gastar 25% das suas receitas com educação básica (ensino infantil, fundamental, médio e 63

profissional). Esses recursos são direcionados para fundos estaduais e redistribuídos para as redes de acordo com o número de alunos em cada rede.

Em 2017, a previsão de arrecadação total do Fundeb foi de R$143 bilhões, sendo R$130bi arrecadado pelos estados e municípios. O governo federal complementa esses recursos com 10% do total (R$13bi). Os recursos do governo federal complementam os fundos estaduais em ordem crescente de pobreza, de forma que todos os municípios do país atinjam o gasto mínimo por aluno estabelecido pelo governo federal. O Fundef e o Fundeb foram importantes para diminuir as diferenças de gasto por aluno entre os municípios brasileiros e para ajudar a universalizar as matrículas no ensino fundamental.

2 – Propostas: o que fazer para melhorar a educação no Brasil

Dado que os gastos com educação aumentaram bastante nos últimos anos, agora a prioridade deve ser melhorar a gestão desses recursos. Como o número de alunos vai continuar diminuindo ao longo do tempo, os gastos por aluno irão aumentar mais do que o aumento dos recursos do Fundeb, que, por sua vez, continuarão crescendo com o aumento da arrecadação de impostos. Assim, é hora de priorizarmos a gestão, para fazer com que o aumento de gastos se traduza em melhoria de aprendizado.

No caso da gestão, é necessário copiar os exemplos bem-sucedidos, pois algumas cidades e estados brasileiros já conseguiram melhorar substancialmente a qualidade da educação e diminuir a evasão no ensino médio. Assim, o governo federal deve liderar uma reforma na gestão educacional no país. Como o governo federal tem poucas escolas (pois atua principalmente no ensino superior), sua função deve ser gerar incentivos e apoio para que os estados e municípios mudem a maneira como a educação é administrada. Além disso, as mudanças têm que ser paulatinas, para não provocar alterações bruscas no orçamento dos entes federados. 64

Acreditamos que as vinculações de recursos dos entes federativos para a educação e o Fundeb devam continuar, com modificações para tornar as diferenças de gastos por aluno entre os municípios ainda menores. Além disso, propomos que o governo federal use 10% da sua complementação ao Fundeb para incentivar os estados e municípios a adotarem práticas que comprovadamente melhoram a qualidade da educação, segundo as melhores evidências disponíveis. Esses recursos seriam transferidos aos entes federados de acordo com a variação do seu desempenho no “Índice de Efetividade”. A proposta é que o governo federal crie esse índice, que poderia ser composto pelos seguintes componentes, por exemplo: % de escolas da rede com pelo menos 5 horas de aula ministradas por dia; % de crianças incluídas em creches ou em programas de visitação domiciliar; permissão para funcionamento de escolas charter (ver abaixo); adesão aos padrões curriculares mínimos; avaliações de aprendizado de todos os alunos da rede e uso efetivo do estágio probatório para avaliação dos professores.

Além disso, as escolas charter poderiam entrar no cálculo de distribuição de recursos do Fundeb entre as redes de ensino. Atualmente, somente no ensino infantil é permitido que as crianças matriculadas em creches conveniadas recebam recursos do Fundeb. A proposta é que isso também seja permitido em todo ensino básico, com o mesmo fator de ponderação recebido pelos alunos das escolas públicas tradicionais (no ensino infantil os alunos nas creches conveniadas recebem um fator de ponderação inferior).

Também é preciso estabelecer de forma clara o conjunto de competências que os professores devem adquirir para se tornarem instrutores efetivos em cada ciclo. Essas competências, por sua vez, devem ser baseadas nas metas de aprendizado dos alunos e servir de referência para a formação inicial e continuada dos professores. O governo federal deve ajudar na formação, avaliação e certificação de professores para a rede pública e poderá fazer um concurso público nacional para contratação de professores para as redes, estabelecendo rankings de professores em várias dimensões que poderão ser usados pelas redes de acordo com suas necessidades. 65

Com relação ao ensino superior, acreditamos que o Prouni deve continuar como está e que o FIES deveria ser reformulado. Os alunos carentes devem receber crédito para estudar em faculdades privadas, mas somente em cursos bem avaliados pelo MEC, sendo que o valor da mensalidade deveria ser o menor disponibilizado pela faculdade. As cotas para ingresso na universidade pública devem continuar, pois aumentaram a porcentagem de alunos pobres e negros no ensino superior sem queda das notas, além de aumentar a diversidade. Finalmente, o governo federal deverá avaliar de forma simples todos os cursos de ensino superior no país e divulgar amplamente o resultado final66

3.4 MERCADO DE TRABALHO

A rede de proteção social ao trabalhador é o conjunto dos benefícios que, por lei, todos os cidadãos brasileiros em idade ativa, ocupados, desempregados ou inativos, têm direito a receber, seja por meio de transferências governamentais ou de seu empregador.

Uma rede de proteção deve ter os seguintes objetivos:

1. Garantir renda monetária mínima a todas as famílias;

2. Elevar a renda monetária das famílias privilegiando a redução da desigualdade de renda;

3. Reduzir a amplitude das flutuações (volatilidade) na renda monetária de famílias com baixa renda;

4. Valorizar e incentivar a autonomia econômica das famílias;

5. Valorizar e incentivar o protagonismo, em especial, o engajamento em atividades econômicas dos membros da família em idade ativa;

6. Promover a meritocracia, valorizando e incentivando o esforço, a dedicação e o engajamento em atividades que envolvam riscos;

7. Valorizar, promover e incentivar ganhos de produtividade;

8. Valorizar, promover e incentivar relações de trabalho mais estáveis, reduzindo ou eliminando incentivos à rotatividade;

9. Promover e incentivar o crescimento balanceado da produtividade e da remuneração do trabalho;

10. Assegurar a consistência com a condução de política fiscal equilibrada, responsável e sustentável;

11. Valorizar e incentivar a formalização da atividade econômica e das relações de trabalho.

Ao longo do tempo foi construída no país uma ampla rede de proteção ao trabalhador, sofisticada e generosa com variados programas e intervenções. Embora cada componente isoladamente pareça fazer sentido, em seu conjunto 67

a rede é desconexa, inconsistente, e com sistemas de incentivos contraditórios e sobreposições. Assim, o debate atual sobre proteção social no país deve concentrar-se muito mais no aprimoramento da rede existente do que na ampliação da sua cobertura ou da amplitude dos seus benefícios.

A proposta de redesenho é composta de dois pilares. Primeiro, rearranja-se o programa Bolsa Família de modo a continuar como uma garantia de renda aos mais pobres, mas ao mesmo tempo estimular a transição para o mercado de trabalho e sua formalização. Segundo, reestruturam-se os programas de abono salarial, salário família, seguro desemprego e FGTS de modo a alinhar o melhor possível o sistema de proteção aos objetivos elencados acima. Para tanto, unifica-se os programas para formar um fundo de poupança compulsória com subsídios para os trabalhadores de rendas relativamente mais baixas.

Segue uma síntese do redesenho com os parâmetros escolhidos de modo a garantir que os gastos totais com os programas correspondam aos gastos correntes atuais desses mesmos programas. Obviamente, o grau de generosidade da rede pode ser ajustado através de mudanças dos valores dos parâmetros.

Síntese do Redesenho

i. Bolsa Família

Seleção de beneficiários usando toda a informação cadastral e não apenas renda declarada

Transferir em média R$2.400 por ano por família, para todas as famílias que estão no segmento dos 15% mais pobres da população (que são aquelas com renda familiar mensal per capita inferior a R$200 antes de transferências públicas)

Concessão de benefícios com imposto marginal à alíquota de 50%. As famílias que aumentarem a renda per capita familiar obterão uma redução de transferência de 50% desse valor adicional em vez de 100% como é hoje

68

Garantia de retorno automático ao programa no caso de demissão

Garantia de pagamento por 10 meses de uma parcela declinante do benefício original em caso de contratação no mercado de trabalho

ii. Abono Salarial e Salário Família

Unificação dos dois programas

Elegibilidade: trabalhadores formais com salário inferior a 1,5 salários mínimos (SM).

Eliminação da exigência de 5 anos no cadastro do PIS/PASEP.

Pagamento: mensal (concomitante ao emprego), sendo 66,6% líquidos e 33,4% destinados inicialmente1 para compor o fundo do FGTS.

1 Nos dois primeiros anos.

Alíquota do benefício: decresce linearmente no salário entre os limites de 1 SM e 1,5 SM.

Valor do benefício: 3 salários mínimos x alíquota individual (ver Figura 1 e Quadro 1)

Figura 1 – Abono Salarial: Alíquota por Salário Mensal

68

Tabela 1 – Salário Mensal, Alíquota do Abono e Valor do Benefício Anual

iii. FGTS – Seguro Desemprego

Unificação dos dois programas na criação de um fundo de poupança compulsória individual

Remuneração à taxa de mercado

Elegibilidade: todo trabalhador formal

Pagamento: mensal

Alíquota do benefício (mensal): 8.33% do salário (pagos pelo empregador)

Pagamentos serão ilíquidos até o acúmulo de 12 salários mínimos, após o qual o valor integral da parcela mensal será líquido para o trabalhador

Possibilidade de saldo negativo do fundo (crédito ao trabalhador)

iv. Complementação para trabalhadores com baixa remuneração:

Elegibilidade: trabalhadores formais com salário mensal até 4 SM.

Pagamento de parcelas mensais ilíquidas (nos três primeiros anos de emprego formal) para composição do fundo de poupança individual.

Alíquota do benefício: decresce linearmente no salário entre os limites de 1 SM 2 SM, 2SM e 3SM e entre 3SM e 4SM. O trabalhador com salário

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equivalente a 1SM tem alíquota do benefício de 100%, enquanto um trabalhador com 2SM tem alíquota de 90%, com 3SM, 60% e por fim em 4SM a alíquota é zerada.

Valor do benefício: 2 salários mínimos x alíquota individual, para os dois primeiros anos de emprego, 1 salário mínimo x alíquota individual para o terceiro ano de emprego e zero para os demais anos.

Adicionalmente, há também destinação nos dois primeiros anos de emprego de 33.4% do benefício do Abono Salarial e Salário Família para composição do fundo.

Figura 2 – Complementação do FGTS-Seguro Desemprego: Alíquota por Salário Mensal

70

3.5 RESPOSTAS À CRISE NA SEGURANÇA PÚBLICA E NO SISTEMA PENITENCIÁRIO

1 Diagnóstico

A ação pública contra o crime se dá por meio da intervenção da polícia, da justiça criminal, do sistema prisional e da política econômica. Esses vetores de intervenção têm impacto no nível de equilíbrio do mercado de atividades ilícitas, e determinam o nível geral da demanda e oferta por crimes na sociedade. Consideramos também a importância das condições sociais, políticas ou demográficas que podem afetar o comportamento delitivo e o volume geral de crimes na sociedade. Esses fatores são capturados pelos retornos esperados de atividades lícitas comparadas às atividades ilícitas, e são determinados pelas forças de oferta e demanda. É possível ainda explorar, da mesma forma, o papel da família, da educação, de fatores como o ciclo de vida e das interações sociais na determinação de oportunidades em atividades lícitas e ilícitas.

As estratégias de aplicação da lei podem alterar as oportunidades para os infratores e assim facilitar ou dificultar o cometimento de crimes. A intervenção pública “taxa” a incidência de crimes, o que afeta tanto a oferta quanto a demanda do mercado de atividades ilícitas. Políticas eficazes de policiamento aumentam a probabilidade de punição e o encarceramento (que pode resultar na incapacitação ou na reabilitação do infrator) e reduzem, assim, o número de infratores em circulação e o risco de vitimização, tornando a sociedade mais segura.

O volume geral de crimes na sociedade não é determinado, no entanto, apenas pela interação entre infratores e o sistema de justiça criminal. É preciso considerar também as mudanças exógenas que ocorrem no comportamento dos consumidores ou clientes de produtos e serviços ilícitos, e o aparecimento de novos nichos de oportunidade para as atividades ilícitas. No Brasil, uma pesquisa domiciliar realizada pela FIOCRUZ em 2012 estimou que 370 mil pessoas consomem crack de forma regular nas capitais do país e no Distrito Federal, e cerca de um milhão de pessoas consomem drogas de forma regular 72

(excluindo-se a maconha), o que faz do crack a droga ilícita mais importante no país hoje.

Nesse contexto, as organizações criminosas (ORCIM) encontram um ambiente propício para sua expansão. Como as ORCRIM sofrem restrições para sua expansão horizontal (por exemplo, dominar vários territórios) e também enfrentam riscos crescentes com a integração vertical (como ilustra o caso dos cartéis colombianos nas décadas de 1980 e 1990), pois ambas estratégias aumentam o risco de detecção e infiltração pela polícia ou por rivais, a estratégia ótima é buscar o controle monopolístico de territórios e nichos específicos de forma violenta.

Esses dois processos somados – a presença crescente de organizações criminosas no país e de oportunidades ilícitas na cadeia de distribuição do crack -, exigem um ajuste do nível atual de oferta de serviços básicos de policiamento, de investigação e persecução criminal, e de vagas no sistema prisional.

As recomendações feitas a seguir procuram lidar com esses choques exógenos que afetam as condições de equilíbrio que ligam a oferta de políticas de segurança ao volume de crimes hoje observado na sociedade brasileira.

2 Propostas

As ações mais importantes de segurança pública, devido ao desenho constitucional do país, estão na órbita de responsabilidade dos governos estaduais. O executivo federal tem aumentado sua participação na política de segurança pública com a criação do Ministério da Segurança Pública, o que permite aumentar a integração entre órgãos e apoiar diferentes iniciativas dos estados. A maior participação federal nesse tema não suprime o fato de que a parte mais importante das políticas de segurança é, e continua sendo, de responsabilidade dos governos estaduais, os quais, por sua vez, dependem do direcionamento dado pela política penal formulada em âmbito nacional pelos poderes independentes do Congresso Nacional, que elabora a Lei Penal, e pelo Judiciário (estadual e federal), que opera sua aplicação.

Integração dos serviços 73

A integração dos serviços em âmbito federal deve focar em ações como: a produção de parâmetros mínimos de qualidade dos serviços policiais e prisionais (por meio do desenvolvimento de normas técnicas mínimas como no sistema ISO), criação de padrões para a produção de dados estatísticos, desenvolvimento de programas de treinamento, criação de linhas de fomento para o desenvolvimento da capacidade técnica e operacional das polícias, melhoria do sistema prisional e a criação de sistemas seguros de compartilhamento de dados de inteligência, entre outras iniciativas. Dessa forma será possível minimizar os constantes conflitos de competência e jurisdição, e a falta de compartilhamento de informações que hoje vigoram. Apenas de forma integrada será possível desenvolver ações bem sucedidas contra o crime organizado no País.

Fronteiras

O esforço de gestão das fronteiras exige o investimento em três frentes principais: 1. gestão compartilhada e integrada de informações e sistemas de inteligência em diferentes níveis de governo e entre órgãos; 2. gestão de tecnologia de monitoramento e despacho operacional; 3. esforço diplomático e de assistência internacional.

Toda a cocaína do mundo é produzida nos três países andinos (Bolívia, Colômbia e Peru) que têm 7,8 mil km de fronteira com o Brasil. Além dos países produtores da região, a Venezuela é hoje um importante país de trânsito de cocaína para a Europa e os Estados Unidos1.

1 De acordo com o “International Narcotics Control Strategy Report” do Bureau for International Narcotics and Law Enforcement Affairs do Departamento de Estado dos EUA.

Para fazer frente a essas ameaças há iniciativas que precisam ser continuadas e desenvolvidas como o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), concebido pelo Exército Brasileiro e que funciona como um sistema de sensoriamento e de apoio à decisão para ações de controle. Outro exemplo importante de é o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) o qual atualmente 74

faz parte do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), e é responsável pelo controle ambiental, do tráfego aéreo, a coordenação de emergências na região e o controle de ações de contrabando. No entanto, não existem exemplos semelhantes na área de inteligência policial voltadas ao controle de bens e serviços ilícitos que seja capaz de integrar as ações da Polícia Federal às polícias estaduais, e com o sistema de fiscalização das prefeituras, sendo o principal desafio de integração na área.

A governança das fronteiras requer ainda um esforço diplomático e de assistência internacional. O Brasil mantém acordos bilaterais de controle de drogas com os Estados Unidos e com todos os países na América do Sul, além de parcerias formais com o Escritório das Nações Unidas contra as Drogas e o Crime, a Comissão Interamericana de Controle do Abuso de Drogas da Organização dos Estados Americanos, e a INTERPOL. O Brasil também possui tratados de extradição e assistência jurídica mútua com os Estados Unidos. A relação com a Bolívia, o Paraguai e o Peru exigirão esforços adicionais de assistência técnica na área policial, tendo em vista as fragilidades institucionais desses países nessa área. A Venezuela, à beira de um colapso econômico e social, terá forte impacto na Região Norte do Brasil. A enorme disponibilidade de armas em mãos de civis e a iminência de um conflito civil que poderá transformar a Venezuela em um estado falido completo, poderá ter graves consequências também na segurança doméstica do país.

Revisão da Lei de Execução Penal, do Código Penal e do Código do Processo Penal.

O aprimoramento da legislação penal poderá trazer benefícios na contenção do crime, principalmente por meio de alterações da Lei de Execução Penal (LEP). A diminuição dos mecanismos de progressão de pena para infratores reincidentes, autores de crimes violentos, ou que tenham comprovada participação em grupos organizados, poderiam contribuir para diminuir a atuação criminal das lideranças que hoje estão encarceradas. Modificando-se a LEP será possível agir mais rápido para a incapacitação dos infratores de maior periculosidade que já estão condenados. Essa estratégia tem a vantagem de 75

não alterar a relação crime-pena de forma geral, o que pode produzir distorções indesejáveis e de difícil antecipação. A estratégia de alteração da LEP incide apenas nos infratores que já estão condenados, diferenciando-os segundo a gravidade de suas condutas, fora e no âmbito do sistema prisional.

Há também uma proposta de alteração do Código de Processo Penal (1941) que está em tramitação na Câmara dos Deputados, na forma do PL 8045/2010 O projeto, se aprovado, poderia trazer avanços importantes, pois além de modernizar a legislação, estabelece figuras jurídicas novas como o Juiz de Garantias, o qual poderá atuar de forma direta na fase de produção de provas, instruindo na prática a investigação. Essa mudança pode trazer a melhoria do sistema de investigação, o aumento das taxas de elucidação de crimes e o aumento das condenações.

Aumento da Capacidade de Elucidação de Crimes

Os níveis de produtividade atuais das polícias civis são inaceitáveis diante dos parâmetros internacionais. Metas de desempenho para essas instituições podem reverter esse padrão de baixa produtividade sem grandes investimentos em novas contratações. Uma medida importante na área é a criação de um indicador nacional de investigação de homicídios que permita mensurar com segurança o desempenho das investigações criminais em cada estado.

Metas de Desempenho para as Polícias

Os modelos de gestão por resultado com metas de desempenho têm se disseminado no País a partir das experiências implantadas no Rio de Janeiro, Pernambuco e São Paulo, o que permite um aumento da atividade policial, a prestação de contas para as autoridades e produzir melhorias na gestão e planejamento da política de segurança pública2. O Governo Federal, por meio

2 Cabral,S. (2016), “Estudo de Caso e Avaliação do Sistema Integrado de Metas do Rio de Janeiro”, Insper Metricis. 76

do Sistema Único de Segurança Pública, poderia disseminar essas iniciativas nos demais Estados do País.

Formação e Avaliação do Trabalho Policial

Existe enorme variação entre os estados no que diz respeito à qualidade da formação policial, principalmente entre as Polícias Militares. As taxas de homicídio no país são convergentes, no entanto persistem profundas assimetrias técnicas e profissionais entre as polícias, o que dificulta a transferência e implementação de boas práticas, e a inovações na segurança pública. Para sanar a assimetria observada, o novo Ministério da Segurança Pública poderia promover a disseminação de um currículo mínimo nacional para as polícias que tenha por base o conceito de treinamento por competências, ou seja, a formação com base na busca de competências específicas e de práticas profissionais fundamentais – e não apenas o ensino da norma jurídica como é hoje – para se atingir a eficácia e a eficiência no trabalho policial.

Sistema Prisional

Dados do Departamento Nacional Penitenciário 3 indicam que existem no país 726.700 presos (352 por 100 mil habitantes) cumprido penas de prisão com uma taxa de ocupação de 197% (quase dois presos por vaga), sendo que 45% dos presos cumprem pena por crimes contra o patrimônio e 28% por violação da lei de drogas. Entre 35% e 40% desses presos são presos provisórios, percentual igual ao do Canadá e abaixo de quase todos os países da região das Américas4. A detenção provisória tem um impacto indesejável em fatores como a diminuição da renda e a capacidade de emprego, e a socialização com criminosos organizados no sistema prisional. A prisão provisória também cria um círculo

3 INFOPEN 2016.

4 RICHARD M. ABORN and ASHLEY D. CANNON, “Prisons: In Jail, But Not Sentenced” Americas Quaterly WINTER 2013. http://www.americasquarterly.org/aborn-prisons. 77

vicioso: muitos dos que estão presos provisoriamente são pobres e incapazes de pagar pela defesa. Embora não existam estimativas confiáveis para o Brasil, esses fatores podem contribuir para que indivíduos venham a reincidir na atividade criminosa.

Há enorme espaço para melhoria da gestão dos presídios e a adoção de algumas medidas legais simples que poderiam contribuir para reduzir os problemas do déficit de vagas, do tempo de detenção e do número elevado de presos no sistema provisório, assim como a baixa efetividade na recuperação dos infratores condenados.

Melhorar as condições de confinamento

A superlotação exacerba os riscos inerentes ao sistema prisional e compromete a segurança tanto dos presos como dos guardas penitenciários e Policiais Militares. No Brasil há uma taxa de ocupação de 197%, e as vagas precisam ser expandidas ou remodeladas para mitigar superlotação e melhorar as condições de encarceramento. Há evidências que os presos que mantêm contato com os membros da família e com redes de apoio, enquanto encarcerados, têm menor reincidência e melhor desempenho social quando liberados. O modelo das APACs (Associações de Proteção e Assistência aos Condenados) tem se disseminado pelo país e demonstrado bons resultados, embora não existam avaliações sistemáticas. Hoje o modelo está estabelecido em 43 cidades brasileiras, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça. O método alternativo de ressocialização busca principalmente facilitar o contato com as famílias e tenta transmitir aos presos conceitos e normas morais positivas, aliados à humanização do ambiente prisional. A própria organização que dissemina o modelo alega reduzir a reincidência criminal para apenas 30%, mas esses dados não têm nenhuma validação externa por avaliador independente. 78

Ações Específicas contra o Crime Organizado

A presença difusa do crime organizado no país manifesta-se pelo reconhecimento de que atividades ilícitas como tráfico de armas e drogas, roubo a bancos e de cargas, biopirataria, contrabando de produtos falsificados e tráfico de pessoas, não se limitam às divisas estaduais, nem às fronteiras nacionais. Há extensas ramificações do crime organizado no comércio legal, no setor de serviços, incluindo os serviços financeiros, na burocracia estatal, nas polícias e na política. Esses crimes geralmente têm grande impacto na percepção do público e contribuem na formação da sensação de insegurança que tem afetado a estabilidade das políticas de segurança seguidas pelo Estado. Diante desse cenário, é necessário buscar novas formas de organização, operação e articulação das forças de segurança, principalmente na integração entre os sistemas de inteligência e informação das polícias (no nível estadual e federal), dos órgãos de controle interno, do Ministério Público, dentre outros, com vistas a permitir a gestão estratégica do problema.

Experiências internacionais demonstram que é muito importante tentar desarticular o poder de organizações criminosas nos seus estágios iniciais de expansão, antes que o custo financeiro e social das intervenções aumente exponencialmente. A necessidade de integração entre forças estaduais, incluindo polícias e outros braços do poder público é uma variável crítica nas ações contra o crime organizado. Os constantes conflitos de competência e jurisdição e a falta de compartilhamento de informações são problemas que limitam a eficácia das ações contra o crime organizado no país. A exemplo da proposta de criação de um indicador nacional de elucidação de homicídios no país, faz-se necessário um sistema nacional de indicadores da presença do crime organizado que atenda os seguintes objetivos: 1) facilitar a troca de experiências entre os diversos órgãos que se relacionam direta ou indiretamente com a problemática; 2) aumentar o conhecimento sobre o problema; 3) evitar a duplicação de trabalho entre as instituições. O que se propõe é a construção de um conjunto de indicadores quantitativos de natureza “gerencial” que permitam mensurar as ações e a “produção” das polícias nas suas operações contra o crime organizado. 79

Mapear o DNA das Drogas

É importante instituir um programa integrado com as polícias Estaduais e Federais para rastrear as origens da cocaína e da maconha apreendidas no país. Conhecer a origem da cocaína e da maconha consumida nas cidades brasileiras permitirá ganhos de eficiência nas atividades policias, possibilitando maior foco nas investigações e no policiamento de vias, e uma cooperação mais efetiva entre as agências.

Trajetória das Armas de Fogo

Aqui se propõe estabelecer um programa coordenado pelo Ministério da Segurança Pública para o rastreamento de armas de fogo apreendidas em todo o país. O rastreamento começa quando uma arma é apreendida e a partir daí procura-se identificar sua origem, a fim de desenvolver pistas para a investigação em primeiro lugar, e para localizar potenciais traficantes, vendas ilegais de armas (por estabelecimentos legalmente certificados ou não) e para detectar se as armas apreendidas estão circulando dentro do estado, do país ou tem origem no exterior. O rastreamento é um processo sistemático para acompanhar o movimento de uma arma de fogo desde sua fabricação ou pelo menos a partir de sua introdução no comércio legal (por exemplo, para uso pelas polícias e FAAs) ou ilegal no país. 80

4. POLÍTICAS DE SUSTENTABILIDADE

Um dos importantes desafios do século XXI está na implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), previstos da Agenda 2030, aprovada em 2015 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, por 195 países. Como consequência, parte substancial dos recursos financeiros internacionais destinados a investimentos no desenvolvimento será cada vez mais condicionada à comprovação de que as iniciativas financiadas se darão no sentido da implementação dos ODS. Adiciona-se o fato de que a inserção brasileira nos mercados internacionais mais exigentes, como a Europa e o Japão, em especial dos recursos agropecuários, também estará, de forma crescente, submetida à verificação da observância dos princípios da produção sustentável.

Nesse sentido, para um país diverso, considerado uma potência ambiental, mas com uma economia dependente de recursos e dos mercados internacionais, a agenda ambiental é absolutamente estratégica. Por um lado, as mudanças climáticas e seus potenciais impactos, que representam hoje um dos principais desafios da humanidade, podem se constituir em uma grande oportunidade para um país como o Brasil. A implantação de uma agenda positiva com as urgentes medidas de mitigação e adaptação do país às alterações do clima, tem grande potencial de promover o crescimento econômico, a geração de empregos e a distribuição de renda, melhorando assim as condições de vida da população.

O país tem condições naturais para uma transição segura no sentido de uma economia de carbono neutro. Temos alta capacidade para gerar energia de fontes renováveis como biomassa, solar, eólica e hidrelétrica, e detemos as maiores áreas de florestas entre os países tropicais, enorme biodiversidade e a segunda maior reserva hídrica do mundo. Diante dessas oportunidades e desafios, é fundamental que o Presidente eleito se comprometa formalmente a cumprir os objetivos gerais do Acordo de Paris e os compromissos assumidos 81

pelo Brasil por meio de sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), alinhando-os ao conjunto das políticas públicas. Essas políticas devem estar voltadas a uma estratégia de longo prazo de descarbonizarão da economia com emissão líquida zero de gases de efeito estufa, além da exploração sustentável de nossos ativos ambientais, considerando a capacidade de regeneração do nosso ecossistema.

O critério da descarbonização também deve ser efetivamente incorporado à estrutura tributária brasileira. No curto prazo, é necessário aperfeiçoar a CIDE, com um adicional mínimo simbólico segundo a intensidade de carbono. No médio prazo, uma taxa de carbono deve ser incorporada ao sistema tributário nacional, no contexto de uma ampla reforma tributária. O arrecadado pela taxa de carbono pode ser alocado para subsidiar ou/e financiar pesquisas em fontes limpas de energia. É necessário também implementar o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões e outros mecanismos para introduzir a precificação das emissões de gases de efeito estufa no Brasil.

4.1 COMBATE AO DESMATAMENTO

A economia florestal é a atividade na qual o Brasil obteve maior redução de emissões desde 2005 e é também aquela em que pode produzir resultados adicionais de mitigação mais rápidos e com maior intensidade. Acreditamos ser do interesse público um compromisso com o combate ao desmatamento ilegal na Amazônia e à redução do desmatamento legal em outros biomas, como o cerrado, oferecendo caminhos para a valorização da “floresta em pé”́ e das comunidades tradicionais vinculadas à sua utilização e conservação. Nesse sentido, é fundamental ampliar o sistema de monitoramento de desmatamento, degradação e mudanças na cobertura do solo e implementar medidas de financiamento e compensação, como o pagamento por serviços ambientais, mecanismos de mercado eficientes, incluindo os mercados de carbono, que estimulem iniciativas para conferir valor às florestas, com vistas a atingirmos o 82

desmatamento zero no Brasil até 2030. É preciso, ainda, desenvolver programas de compensação financeira que beneficiem comunidades tradicionais – indígenas, quilombolas e extrativistas – e agricultores familiares pela conservação da biodiversidade e ecossistemas.

4.2 AGROPECUÁRIA

A agropecuária, importante fonte de dinamismo da economia brasileira, possui também enorme potencial de redução das emissões e está exposta a grandes desafios em função da própria mudança do clima que irá afetá-la diretamente. Produção agropecuária e conservação ambiental podem e devem andar lado a lado. Para isso, é fundamental ampliar de forma expressiva as práticas de Agricultura de Baixo Carbono nos planos-safra anuais, reduzindo as dificuldades burocráticas e estabelecendo os incentivos corretos para adesão ao sistema. A pecuária possui considerável potencial de redução de emissões com recuperação de pastagens degradadas e maior confinamento. Ademais, a competitividade internacional da agropecuária brasileira pode ser aumentada se o país avançar nas questões socioambientais. A racionalização do uso de insumos, a promoção de técnicas de melhoria e conservação do solo, o controle biológico, com a concomitante redução do uso de agrotóxicos, e a diversificação da produção são algumas das medidas que podem ser adotadas.

Outra frente importante em que há de se atuar com determinação diz respeito ao planejamento do uso da terra no país. É necessário que se elabore uma proposta de Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) aberta ao debate público e subsidiada por um amplo estudo de planejamento da paisagem e ordenamento de todo o território nacional. É preciso ainda garantir apoio financeiro e técnico aos estados que comprovadamente tenham limitações para a implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), a fim de viabilizar a validação dos dados cadastrados. Por fim, o próximo governo deverá apoiar a definição de metas concretas para a regulamentação do Programa de Regularização Ambiental (PRA) pelos estados e da Cota de Reserva Ambiental (CRA), incluindo prazos, 83

e prevendo recursos financeiros e humanos para garantir a efetiva implementação desses dispositivos. Essas serão importantes iniciativas para a implantação do Código Florestal, sem mais prorrogações ou atrasos.

O Estatuto da Terra tem mais de meio século de existência e, portanto, é preciso harmonizar os novos instrumentos de gestão do território, promovendo um efetivo zoneamento ecológico e econômico, para o gerenciamento da questão agrária no país, fortalecendo, também, a rede de unidades de conservação e definindo as áreas prioritárias para a proteção e uso sustentável da biodiversidade e produção de serviços ecossistêmicos. Nesse sentido Imposto Territorial Rural (ITR) deve ser reformado, a fim incentivar os agricultores – grandes ou pequenos – que se posicionem numa perspectiva de transição ecológica. Seria importante o novo governo deve se comprometer com a retomada dos processos de reconhecimento de territórios quilombolas, sejam os que já estão concluídos e aguardam apenas a oficialização, sejam os que tramitam no órgão responsável. O mesmo empenho deverá ser dedicado à finalização dos processos administrativos das terras indígenas pendentes. Quanto às comunidades indígenas desterritorializadas, em função da ocupação de suas terras por terceiros com patrocínio do Estado, deverá ser criado um Fundo de Regularização Fundiária para readquirir estas terras a preços de mercado.

4.3 ENERGIAS RENOVÁVEIS

O setor elétrico brasileiro é comparativamente limpo, mas o peso de seu componente hidrelétrico irá decrescer no longo prazo. Dessa forma, a fim de consolidar uma matriz elétrica sustentável, é necessária a ampliação da geração de fontes renováveis, tanto centralizada como distribuída, no sistema interligado e em sistemas isolados, e a capacidade de armazenamento de energia. Isso implica estruturar condições regulatórias adequadas para a expansão das fontes renováveis (eólica, solar, pequenas centrais hidrelétricas e térmica à biomassa) na geração centralizada, distribuída e na autoprodução/cogeração, por meio de 84

melhores condições de financiamento, ajustes na tributação e melhor normatização. É necessário estabelecer incentivos e metas para a melhoria da eficiência energética em todas as etapas, a partir da geração, transmissão e distribuição até os consumidores finais, principalmente os intensivos em energia. A definição de metas de redução do consumo deve tornar-se critério de remuneração das distribuidoras de energia, que no atual modelo, de forma contraditória à crescente necessidade de racionalização do uso e conservação de energia, têm retornos maiores quanto maior for o consumo.

4.4 CIDADES SUSTENTÁVEIS, SANEAMENTO BÁSICO E GESTÃO DE RESÍDUOS

As cidades têm papel fundamental no combate às mudanças climáticas. O desenvolvimento urbano deve incorporar a redução de emissão de gases de efeito estufa entre as suas prioridades. As políticas de mobilidade urbana devem estimular modais com baixa emissão de poluentes, geração de energia limpa, renovável e distribuída e com eficiência energética, substituição de veículos movidos a combustíveis fósseis pelos elétricos e movidos a biocombustíveis e valorização de áreas verdes. Pode-se estimular a criação de territórios neutros, em áreas experimentais, com relação à emissão de carbono, a exemplo do que se tenta hoje em Fernando de Noronha. Os municípios devem receber apoio para terem planos de contingência e monitoramento de extremos climáticos para a prevenção e mitigação dos impactos de desastres naturais como secas, alagamentos, enxurradas e deslizamentos, que afetam milhares de pessoas anualmente no Brasil.

É preciso promover a efetivação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, estimulando a redução, coleta seletiva, reciclagem e disposição adequada dos resíduos sólidos. Assim como voltar esforços para a expansão e qualificação dos sistemas de transporte público, que tem impacto sobre o meio ambiente e a 85

qualidade de vida das pessoas que necessitam do transporte público para se locomoverem.

Atualmente, há no Brasil mais de 35 milhões de pessoas sem acesso à água tratada e acima de 100 milhões sem esgotamento sanitário. Cerca de 80% da população brasileira é submetida diariamente ao contato direto ou indireto com esgoto, provocando gravíssimos impactos ambientais e na saúde, como infecções gastrointestinais, que levam à limitação do desenvolvimento físico, da capacidade de aprendizagem e da produtividade no trabalho, de centenas de milhares de crianças e adultos a cada ano no país. A urgente universalização do saneamento básico requer que se estabeleçam metas concretas e efetivas, o aprimoramento do marco legal existente e a promoção de ajustes nos mecanismos institucionais para garantir os recursos necessários para um salto quantitativo e qualitativo na expansão do sistema de abastecimento de água de qualidade e da coleta e tratamento de esgoto em todo o Brasil.

Apesar da Constituição conferir aos municípios a responsabilidade pelo saneamento básico, 70% das cidades do Brasil ainda não têm Plano Municipal de Saneamento (PMSB). Este fato impede a definição de questões centrais para a ampliação desse serviço, tais como a escolha da melhor modalidade de instituições que se responsabilizarão por sua execução (empresa pública, mista, privada ou autarquia), o estabelecimento de metas e parâmetros operacionais e o planejamento físico e financeiro dos investimentos necessários à sua implantação e operação. Para superar esse problema a União deve apoiar a criação de capacidades institucionais nos municípios para que os PMSBs sejam elaborados de forma adequada, permitindo que os projetos de implantação e gestão tenham qualidade, condição essencial para o acesso aos recursos públicos e atração de investimentos privados.

Os investimentos em saneamento devem ser ampliados, garantindo previsibilidade e distribuindo-os melhor no território nacional, visando superar 86

as desigualdades regionais no déficit de expansão à rede de coleta e ao tratamento de esgotos. Uma opção é alocar recursos do BNDES para incentivar entidades privadas a investirem em saneamento no país. As ações em prol da universalização do saneamento têm de incluir, ainda, o estímulo ao estabelecimento e difusão na sociedade brasileira de uma nova cultura de cuidado com a água, que induzam a adoção de práticas de economia no uso da água, aproveitamento de águas pluviais, práticas de reuso e redução do desperdício.

Finalmente, é necessário um programa de incentivo à preservação e recuperação dos mananciais das cidades brasileiras, que estimule estados e municípios a protegerem suas principais fontes de abastecimento, vitais para a segurança hídrica da população. É preciso recuperar bacias hidrográficas, como a do São Francisco e outros grandes cursos d’água do país. Tratamento cuidadoso e responsável do planejamento dos recursos hídricos das bacias hidrográficas. Essa é uma das mais significativas formas de prevenir as crises hídricas cada vez mais recorrentes no Brasil e que geram tantos impactos negativos sobre a qualidade de vida, agravando condições de fragilidade social e impondo desafios e riscos às atividades econômicas que dependem da água, seja na indústria, na agricultura, seja no setor de serviços.

4.5 LICENCIAMENTO AMBIENTAL

O licenciamento é parte fundamental para a garantia de que os empreendimentos com potencial de impacto ambiental serão implementados de forma adequada e para conferir segurança jurídica aos mesmos. Trata-se de uma conquista da sociedade brasileira que precisa ser permanentemente valorizada. Há consenso atualmente de que é necessário conferir maior eficiência e eficácia ao licenciamento ambiental, a fim de oferecer condições para um maior dinamismo da economia e a construção de um modelo de desenvolvimento mais próspero, justo e sustentável, gerador de emprego e renda. O aprimoramento do marco regulatório do licenciamento ambiental deve 87

ter como objetivo estimular a atividade econômica de forma compatível com a conservação de nossas diversidades e riquezas socioambientais. Deve, ainda, ser coerente com os compromissos que o Brasil assumiu nas negociações internacionais sobre biodiversidade e mudanças climáticas. No tocante às populações indígenas e tradicionais, deve-se aplicar a Resolução OIT 169 – que estabelece consulta prévia e informada a comunidades potencialmente atingidas.

Os seguintes princípios e diretrizes devem nortear o licenciamento:

a) critérios gerais devem ser estabelecidos pela legislação federal, padronizando os processos e diminuindo a insegurança jurídica decorrente da excessiva discricionariedade do agente público e entre os entes federativos, evitando a “competição não virtuosa” que estimula os entes a fragilizarem seus critérios para atraírem empresas;

b) o diálogo entre o meio ambiente e a engenharia deve ser modernizado para que o paradigma atual do conflito seja mudado para o paradigma da colaboração. O mundo moderno já pratica a sobreposição dos desafios da engenharia e do meio ambiente nos projetos e, a partir daí, a colaboração entre esses dois elementos se faz mais presente e o resultado é a eficiência da engenharia com preservação do meio ambiente;

c) o rito do licenciamento e as respectivas exigências devem considerar o efetivo potencial de impacto no grau de fragilidade ou importância socioambiental do local do empreendimento; 88

d) as atividades e empreendimentos que impliquem em supressão significativa de vegetação nativa devem necessariamente passar pelo processo de licenciamento ambiental;

e) devem ser definidos prazos para todas as etapas do licenciamento, de forma a assegurar previsibilidade aos solicitantes da(s) licença(s) e melhor capacidade de acompanhamento por parte dos investidores e da sociedade;

f) devem ser garantidos os investimentos em capacitação técnica, recursos humanos e infraestrutura nos órgãos ambientais responsáveis pelas atividades de licenciamento, como condição básica para que os prazos sejam cumpridos; e

g) devem ser estabelecidos critérios mínimos de capacidade institucional a serem comprovadas pelos municípios interessados em assumir os processos de licenciamento ambiental. 89

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