40 ANOS DA BARRAGEM ARMANDO RIBEIRO GONÇALVES

 

 

Joacir Rufino de Aquino & Raimundo Inácio da Silva Filho

(Professores e pesquisadores da UERN)

No ano passado uma das obras de engenharia mais emblemáticas do Rio Grande do Norte (RN) completou 40 anos: a Barragem Armando Ribeiro Gonçalves (BARG). A BARG, situada nos limítrofes dos municípios de São Rafael, Itajá e Assú na microrregião do Vale do Açu, foi inaugurada em 20 de maio de 1983. Trata-se do maior reservatório superficial de água doce do nosso estado, com 2,4 bilhões de metros cúbicos de capacidade de armazenamento.

De acordo com informações colhidas junto a um técnico do DNOCS em Assú, a BARG verteu (sangrou) 14 vezes desde a sua inauguração, tendo a maior sangria sido registrada em 1985, com 4,50m de altura; e, a segunda, no inverno de 2008, atingindo a marca dos 4,21m. Por sua vez, o menor volume água acumulado nesse reservatório foi observado em 2018, depois de sucessivos anos de estiagem (2012-2017), contabilizando apenas 11% de reserva hídrica.

A construção da BARG, ainda durante a Ditatura Militar (1964-1985), foi envolvida em bastante polêmica na época. Amparada na narrativa do progresso, os governos militares levaram adiante a obra com a promessa de que ela traria a “redenção” do Vale do Açu, porque seria possível enfrentar o problema da seca a partir da açudagem e da agricultura irrigada. Contudo, para uma parcela da população local daquele período e para o meio ambiente regional o projeto não foi o que se esperava, muito pelo contrário.

Realmente, mesmo sendo apresentada como a “salvação” da microrregião açuense, a instalação da BARG foi marcada por um processo de conflitos de interesses. Para construí-la, o Estado brasileiro desapropriou milhares de hectares de terras e destruiu a cidade de São Rafael para ceder lugar a bacia de inundação da barragem, cuja área estimada abrangia 40 mil hectares.

Note-se que o município de São Rafael tinha 7.188 habitantes, em 1980. Desse total, conforme dados do IBGE, 2.977 (41,4%) moravam na zonal urbana e 4.211 (58,6%) na zona rural. Esses moradores foram expropriados de suas casas e pequenas propriedades rurais e alocados em uma nova área sem ter os seus direitos assegurados, especialmente a população do campo, tendo que se engajar nas lutas sociais por reforma agrária para tentar recompor seus meios de produção perdidos.

Quanto aos impactos ambientais, basta dizer que os milhares de hectares ocupados pela BARG deixaram marcas profundadas no meio físico e na paisagem regional. E não foi para menos. Suas águas cobriram vastas áreas de terras alagando matas de carnaubais, pontos de mineração, vazantes etc. Além disso, incontáveis exemplares de espécies de plantas e animais da caatinga foram impactadas negativamente pelas intervenções abruptas provocadas em seu habitat natural.

Tais aspectos socioambientais sinalizam que a BARG representou, em sua fase inicial, um motivo de sofrimento e de insegurança para centenas de pessoas. Todavia, com o passar dos anos, ela também foi se convertendo em um dos pilares da sustentação hídrica do interior do RN, abastecendo mais de 30 municípios. Esta característica positiva ficou comprovada durante a grande seca de 2012 a 2017, quando ela atingiu o nível mínimo de acumulação, mas a distribuição de suas águas evitou uma catástrofe hídrica em uma vasta parte do território estadual.

Apesar de sua função estratégica em matéria de abastecimento hídrico, tanto para o consumo humano quanto para a agricultura irrigada, a BARG ainda apresenta um enorme potencial para contribuir com a melhoria do bem-estar da população.

De fato, se no passado ela foi motivo de sofrimento e de incertezas para muita gente, no presente e no futuro ela pode ser um dos trunfos da alavancagem da economia do Vale do Açu. Inclusive já foram feitas muitas propostas nessa direção. Por exemplo, em audiência pública realizada em 2011 na Câmara de Vereadores do Assú, foi lançada a ideia de que havia condições técnicas para a exploração de cerca de 10 mil tanques redes de criação de peixes em apenas uma pequena parcela da sua lâmina de água. Existe também um significativo potencial turístico ainda pouco explorado, que poderia ganhar corpo melhorando a rede de infraestruturas de acesso e a qualificação dos serviços prestados aos visitantes.

Essas e outras inciativas empreendedoras dependem de planejamento, investimentos públicos e engajamento da sociedade local. De igual importância seria a melhoria dos mecanismos de fiscalização e monitoramento da segurança do reservatório, algo que pode ser realizado com uma maior integração e fortalecimento das ações do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Piancó-Piranhas-Açu e dos órgãos fiscalizadores.

Neste contexto, ao completar quatro décadas de existência, a BARG carrega na sua história promessas de progresso e lembranças de tristeza que não podem ser esquecidas. Entretanto, como não é possível movimentar a roda da história para trás, cabe compreendê-la atualmente como um patrimônio do povo do Vale do Açu, por ser fonte de armazenamento de uma das mais valiosas riquezas do mundo no século XXI: a água doce. Isto significa que o seu papel no abastecimento hídrico e produtivo é extremamente importante devendo ser mais valorizado. Outrossim, o uso racional de suas águas e a exploração do seu entorno podem se converter em oportunidades de geração de ocupação, renda e qualidade de vida para a população. Para tanto, será necessário implementar políticas públicas inovadoras que procurem aproveitar o seu potencial para o desenvolvimento regional sustentável.

 

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